Páginas

Páginas

domingo, 15 de junho de 2014

Pequenas Histórias



Seguem as postagens das Pequenas Histórias:


29 - La Plata: No Inferno, abraçando o Demo - Ano 1983
8 de Julho de 1983, Sexta-feira à noite;o dia que o Imortal visitou o Inferno, flertou com Lúcifer e saiu com a vaga na final da Libertadores no bolso do paletó. Bastava que o Estudiantes não ganhasse fora o seu jogo contra o América de Cáli. Ficou no 0 a 0. 

Aqueles dias próximos de 14 de julho, minha segunda formatura, eram de muita festa; ocorreram várias, praticamente todos os dias e naquela sexta, houve um churrasco com muita cerveja na casa do Colusso, meu colega formando, no bairro Duque de Caxias. 

O tricolor jogava em La Plata, jogo de alto risco e uma televisão foi instalada no enorme pátio. Confesso que não olhei o jogo direito. Os detalhes do 3 a 3 fui me dar conta no dia seguinte. E a aí meus amigos, a decepção do "emocional" de ter deixado o time argentino empatar, deu lugar a uma consciente aprovação pelo "racional" de ter deixado o time argentino empatar. Questão de Vida ou Morte. Duvidam? Vejam o vídeo aí abaixo. 

A Libertadores de hoje é sarau vespertino, muito comportado dos anos 70; a Libertadores de antes era a Faixa de Gaza ou saída de um bailão. Além do extra-campo, o Estudiantes era bicampeão argentino e tinha simplesmente o zagueiro Brown (ausente nesse jogo porque fora vendido para a Europa), autor do primeiro gol da decisão da Copa do Mundo, 1986, no México, Trobbiani, Gurrieri, Ponce, Russo e o maestro Alejandro Javier Sabella, atual técnico da Seleção, que jogou no Grêmio dois anos após, 1985. Antes da partida começar, Luis La Rosa, árbitro uruguaio, deu um cartão amarelo para Camino que tentou lhe intimidar. O goleiro Mazaropi levou um soco de um fotógrafo portenho, dentro de campo e por aí afora.

 O Grêmio resistiu até quase o final do primeiro tempo, quando, incrivelmente, ao sofrer uma falta próximo da área gremista, a equipe de La Plata, mais uma vez, foi para cima do árbitro que acabou expulsando 2 atletas,Trobbiani e Ponce, agressão ao adversário e "peitaço" no árbitro, respectivamente. 

Depois de mais de 5 minutos de interrupção, Sabella bateu a falta, a zaga falhou e a pelota sobrou para Gurrieri empurrar para a meta tricolor. Já nos acréscimos, Osvaldo recebeu livre, dentro da área e empatou.

 Fim do primeiro tempo, o Grêmio alcançando seu objetivo e o churrasco quase no ponto. Caio "Gaguinho", nosso centro-avante nordestino, ficou dando entrevistas, se atrasou e quando tentou ir para o vestiário, levou uma surra tão grande dos adversários, que o impediu de voltar para a etapa final. Azar dele e dos argentinos, porque o predestinado César o substituiu. Aos 7 minutos, Renato dribla o lateral, chega a linha de fundo e deixa César livre na pequena área. Gol. Aos 18, o grande lance da partida; Renato, que participara dos dois primeiros tentos, entra entortando os zagueiros e de pé direito, mete no canto direito do arco de Bertero. 3 a 1. Um Golaço. 

As cenas de selvageria se multiplicaram e o bandeirinha, o uruguaio Fifa, Ramon Barreto leva uma pedrada na cabeça, levando-o a baquear e dobrar as pernas. Os torcedores, pela proximidade da cerca (isso mesmo! Cerca), quase podiam tocar nos atletas e juízes. Entre 24 e 30 minutos, o Estudiantes perdeu mais dois atletas, Camino e Tevez; a partida virou filme de terror. Em nova jogada de Renato, o Imortal chega ao quarto gol, César, mas o banderinha Ramon Barreto marcou impedimento; aquela hora, ninguém ousou reclamar o erro de arbitragem. 

O Estudiantes chegou ao empate com gols marcados aos 31, Gurrieri e Gugnali aos 42 minutos (apesar do narrador inicialmente dizer que foi Russo).


 O Grêmio jogou com Mazaropi;Paulo Roberto, Leandro,De León e Casemiro; China, Osvaldo e Tita; Renato, Caio (César) e Tarciso(Tonho). Treze guerreiros. Espinosa era o técnico. O empate heróico para o time argentino, arrefeceu os ânimos que vinham incendiados até antes da peleja, pelos acontecimentos políticos que envolveram a Guerra das Malvinas no ano anterior. 

Como sabemos, o Brasil autorizou aviões ingleses a abastecerem-se de combustíveis na base aérea de Canoas. Foi mais um componente explosivo, utilizado pelos hermanos neste confronto esportivo. Há partidas que são o batismo de fogo, a maioridade futebolística; assim como o Flamengo contra o Cobreloa na desértica Calama, 1981 ou antes, o Cruzeiro nos três jogos contra o River Plate, 1976; esta Batalha de La Plata, tornou-se um divisor de águas para o Grêmio. Um rito de passagem. Surgia assim, um novo Grêmio.


30 - A Primeira Vez A Gente Não Esquece - Ano 1966

Corria o ano de 1966, eu estava na primeira série do então chamado Primário; o Brasil seguia dentro de uma ditadura, Castelo Branco sonhava com a volta da democracia, mas era minoria entre os seus pares; um deles, Costa e Silva, candidato a Presidência iria sofrer em Julho um atentado a bomba em Pernambuco. Escapou e virou o segundo presidente daquele período nefasto.

 Na música, Beach Boys lançariam em 16 de Maio, a sua obra-prima, Pet Sounds, no dia seguinte, Bob Dylan acompanhado da futura The Band, "eletrifica" seu som e toma a maior vaia, sendo chamado de traidor do folk. 

No cinema, Antonioni lança Blow Up e Gillo Pontecorvo, A Batalha de Argel. Aqui na província de São Pedro do Rio Grande do Sul, o Imortal seguia sua rotina de empilhar títulos; estava próximo do pentacampeonato que somado a outro penta (56-60), fecharia 10 títulos em 11 anos. Na verdade, conquistando 1967/68, alcançaria 12 anos em 13 de Gauchão. Não é para qualquer um.

 Pois bem! Dia 08 de Maio, o Grêmio veio a Santa Maria fazer um jogo festivo pelos 54 anos do Riograndense, idade completada no dia anterior, sábado, dia 07. Como eu recém havia feito 07 anos no dia 30 de Abril, meu pai me deu um senhor presente; ver o jogo. Foi a primeira vez que vi o Tricolor ao vivo. Lá fomos nós.

 Ficamos colados à tela no lado oposto do pavilhão, próximos do escanteio da goleira que fica à esquerda da geral. Meus olhos brilhavam; mas como tudo que é pela primeira vez, foi bom, mas poderia ter sido melhor. O maior craque, Alcindo estava ausente, convocado para a Copa do Mundo, lá da Inglaterra, que seria disputada no mês de Julho; Airton, sem contrato, não veio, também não veio Cléo, nosso centro-médio. Atração seria a presença de Japonez (repito aqui a grafia dos jornais da época), um atacante que estava em testes. Fora recrutado no interior paulista.


 O Riograndense disputava a Divisão de Acesso. Lendo hoje, vejo que a partida foi bem diferente do que vi naquela tarde de Domingo. Como escrevi antes, meus olhos brilhavam, era um mundo mágico. Não foi bem isso o que A Razão, jornal santamariense e o Correio do Povo noticiaram. Ambos falaram numa partida pobre, com poucos lances de área, com os goleiros não trabalhando muito. Até o único tento foi marcado de forma estranha, como aliás, esta foto acima que não tem o lateral esquerdo, mas dois goleiros: Geadinha, camisa 10 do Verdão marcou contra, num entrevero na área periquita. Gremio 1 x 0.


 O Riograndense mandou a campo Valdir; Alderi (Benedito), Alvin, Edson e Benedito (Alvarino); Serafim e Geadinha; Pedro Ivo (Silvio), Damásio, Sissa (Luiz Marinho) e Acir (Vianna). O Imortal com Alberto; Altemir (Everaldo), Altair, Áureo (quinto em pé) e Ortunho; Adair e Sérgio Lopes (o quarto agachado); Sérgio "Japonez", Joãozinho (Paíca), Paraguaio e Iaúca ( Volmir e mais tarde Vieira). O juiz foi Ricardo Silva e a renda espantosa de Cr$ 3.200,00. 

Como afirmei, a primeira vez, geralmente é bom, mas podia ser melhor, porém, como diz o adágio: A primeira vez a gente não esquece. Como foi o primeiro jogo de vocês, meus amigos?

Ah! A atração, o tal Sérgio "Japonez", não jogou nada.

31 - Alberto, o Herói da Camisa 1-  Ano 1968
            

1968 - O ano que não terminou. Zuenir Ventura se apropriou desta frase e fez um grande livro. Este ano foi de muitos acontecimentos com enormes desdobramentos para a vida de muitas pessoas. Teve para todos os gostos; em nível mundial, as Olimpíadas na Cidade do México, a Primavera de Praga e as revoltas estudantis de Paris, aqui no Brasil, a implantação do temível AI-5; em nossa aldeia gaúcha, o Hepta do Imortal e até no plano pessoal, a notícia  de  minha mudança de colégio no ano seguinte.
 O que ficou mais forte para mim foi a conquista do Hepta; mais tarde soube que aquele título, simplesmente era o 12º em 13 anos, e olha que Grêmio e Inter só ganhavam Gauchão. Era a nossa Copa do Mundo. Naquela máquina eu possuía vários ídolos; os três maiores eram Alberto, o goleiro, Áureo, o capitão e Alcindo, o craque matador.
 Pois na semana passada, Alberto faleceu. Tinha 74 anos. Não vi goleiro igual no arco do nosso Imortal. Era uma lenda. Era para ser o goleiro da Copa do Mundo de 70, mas os dirigentes do clube que defendia há muitos anos, lhe puxaram o tapete e ele ficou mais de um ano sem jogar futebol, sem exercer a sua profissão.
 Jogador fora do eixo Rio-São Paulo era praticamente impossível ser convocado, goleiro então, nem se fala. Havia os gaúchos Valdir (Moraes), o Picasso, mas jogavam no Palmeiras e São Paulo, respectivamente. Era diferente. 68 foi o ano do Alberto; ele fechou o arco gremista em praticamente todas as partidas, porém o seu batismo de fogo, o seu cartão de apresentação no "tambor do Brasil", assim era chamado o Maracanã foi em dois jogos consecutivos no mês de Outubro; dias 09, quarta-feira e 12, sábado, ambos à noite. 
O primeiro, o Imortal aplicou 2 a 0 no Vasco, gols de Alcindo; no segundo, pegou o bicampeão carioca, o Botafogo do técnico Zagallo. O Correio do Povo do dia 10 estampou foto de Alberto com a seguinte legenda:"figura de destaque na quarta-feira", porém, a sua exibição de gala foi no sábado e a tevê Piratini passou o jogo direto, logicamente em preto e branco. 
Alberto fechou o gol a ponto do jornal O Globo publicar o seguinte texto: " Alberto fez 10 defesas difíceis para qualquer arqueiro, a maioria menos complicadas para ele pela sua perfeita colocação". A partida foi dura e Alberto teve que defender um pênalti sofrido por Gerson, cobrado por Carlos Roberto na goleira que fica à direita das cabines de rádio. Alcindo aos 24 minutos da segunda etapa, marcou o único tento e o Grêmio permanecia invicto líder do grupo B (havia dois grupos). O público foi de 13.100 pessoas com uma renda de Cr$ 29.738,00.
 O Tricolor do técnico Sérgio Moacir formou num quase inédito 4-3-3 com Alberto (na foto, obviamente, o de preto); Renato, Paulo Souza, Áureo e Everaldo; Cléo, Jadir e Sérgio Lopes; Flecha, Alcindo e Volmir. O supertime do Botafogo, base da Seleção com Cao; Moreira, Chiquinho, Leônidas e Valtencir, Carlos Roberto e Gerson (Afonsinho); Zequinha, Roberto, Jairzinho e Paulo Cesar. Para quem não sabe; Gerson é o Canhotinha de Ouro de 1970, Zequinha, o dos 3 gols em um único Grenal, Jairzinho, Roberto e Paulo Cesar, o Caju, todos tricampeões em 70. 
A curiosidade deste confronto ficou por conta do atraso e troca de fardamento do Botafogo que jogou com outro totalmente diferente de suas cores tradicionais, emprestadas pelo Sesc que ficava perto do estádio. Gérson, normalmente, camisa 8 jogou com a 13.
 Esta partida é a melhor lembrança que tenho do Alberto, esta e um jogo dele pelo Brasil contra a Yugoslávia naquele ano. 
Incluí no título da crônica a palavra herói, porque Alberto soube separar a frustração causada pelos dirigentes, do amor e apego que sempre teve pelo seu clube do coração. Um abraço, Alberto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário