Páginas

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Pequenas Histórias

Seguem mais 3 Pequenas Histórias



20 - O Hábito Não Faz O Monge - Grenal dos 4 a 0 - Ano 1977
Acompanhando essa ronha de interdita ou não interdita o Pinheiro Borda, refleti e vi porque eu estava interessado no imbróglio; muito simples! Depois do Olímpico e Baixada, o estádio que mais deu alegrias ao nosso Tricolor foi justamente o Beira-Rio. Grenal noturno então, nem se fala. Várias vitórias, seja o Grêmio entrando como favoritaço ou como o maior azarão. Basta buscarmos pela memória ou pesquisarmos que encontraremos belas lembranças do Gigante.

 A começar pelo quebra-pau da inauguração. Brincadeira! Além das muitas voltas olímpicas, temos a maior goleada registrada em Grenais naquelas quatro linhas. Foi em 1977, início de Novembro. O Grêmio recuperara a hegemonia regional e em praticamente 10 meses daquele ano, havia ganho 4 clássicos; 3 a 0, 2 a 1, 2 a 0 e o inesquecível 1 a 0 em 25 de Setembro, o Grenal do ENEA, como diziam os colorados; acabou sendo Enea mesmo, isto é: Eles Nunca Esquecerão o André (ENEA).

 Era um domingo de muito calor em Porto Alegre, o Coirmão não estava totalmente convencido da superioridade tricolor, questionava na justiça o título gaúcho, o caso Trimedal que os mais velhos lembram bem. Vinha se rearmando. "Raptaram" o goleiro da Seleção paraguaia Benitez que viria para o Grêmio numa ação cinematográfica, digna dos filmes de espionagem; buscaram o ponta-esquerda Edu, tricampeão em 70 que finalizava a escalação do poderoso ataque santista: Manoel Maria, Toninho Guerreiro, Pelé e ele, Edu.

 Para substituir Figueroa, após a frustrada tentativa com Marião, Beliato, um zagueiro promissor, ex-Palmeiras, trazido do Náutico e a camisa 9 foi para Luizinho, goleador do América carioca e Flamengo, de uma família de centro-avantes, pois era irmão de Cézar Maluco e Caio Cambalhota. Eles, mais os remanescentes Batista, Caçapava, Falcão, Jair, Escurinho e Valdomiro.

 Numa jogada de marketing adotaram o uniforme do à época campeão do mundo, Bayern München que ganhara o título  em cima do Cruzeiro, algoz do Inter nas várias Libertadores que se cruzaram. Iriam estrear o uniforme idêntico ao time bávaro naquele Grenal do Brasileirão; camiseta, calção e meias totalmente vermelhas. Seria o novo talismã; enfim, incorporar o futebol germânico em seus atletas.

 O primeiro tempo foi de um predomínio vermelho que não conseguiu furar o bloqueio tricolor. Ladinho (foto) foi o destaque, parando o lado direito que era o forte com as combinações de Batista na lateral-direita, Jair e Valdomiro. 

Quando tudo se encaminhava para um zero a zero, Iúra da entrada da área no gol à esquerda das cabines de rádio, aos 37 minutos, arrisca um chute que simplesmente saiu da tela da televisão; um "bago" para o alto que os deuses do futebol acabaram por soprar, sim, um vento inesperado fez com que a pelota literalmente "caísse" dentro do gol do azarado Benitez. 1 a 0. 

Recomeça o prélio e aos 17 minutos, o mago Tadeu cobra penalti marcado por Dulcídio Wanderley Boschilla, goleiro estático e bola rasteira no canto direito do paraguaio. O Coirmão desandou; aos 26, Éder entorta Batista e serve Iúra no lado esquerdo, o Passarinho, como era chamado nosso camisa 10, invade a área e sem ângulo bate cruzado,  3 a 0. 

A tampa do caixão foi fechada por Tarciso; Éder roubou a bola de Valdomiro, arrancou pela esquerda e fez um cruzamento, antes de chegar ao fundo, Benitez disputa no alto com o Flecha Negra que desviou sem muita força para o fundo das redes. Decorriam 85 minutos.

 Nunca mais se repetiu um Grenal com diferença de quatro gols. O uniforme estreante foi aposentado. Virou peça de museu, o Grêmio de Telê Santana conquistou a sua quinta vitória num único ano. Começava a cumprir uma trajetória vitoriosa, sepultando quase uma década marcadamente vermelha.

 Um Grenal que exorcizou os demônios que habitavam as cabeças tricolores. Um clássico para lavar a alma.

21 - O Estraga-Festa - Ano 2006
2006 definitivamente não é um ano de boa lembrança para nós tricolores se formos comparar com o que ele representou para o Coirmão; mesmo assim, tivemos uma alegria lá em uma de nossas casas mais tradicionais de espetáculos, o Pinheiro Borda, naquele ano.

 Para recordar, lembro que foi mais exatamente em Abril, mês muito especial para os colorados. O Gauchão foi decidido em dois Grenais, o primeiro no Olímpico, zero a zero, o segundo e definitivo, no dia 09 de Abril no Beira-Rio que recebeu naquela tarde mais de 57 mil almas.

 O Inter era franco favorito e ia em busca do penta-campeonato. O Imortal vinha remontando o time que subira no ano anterior da segunda divisão do campeonato brasileiro. Mantinha o competente treinador Mano Menezes e isso era um trunfo que se mostrou essencial para a retomada da hegemonia gaúcha. 

Os times entraram em campo com desfalques, o Inter sem Fabiano Eller expulso no primeiro embate e o Imortal sem o zagueiro argentino Maidana, lesionado e Alessandro, lateral que jogara no meio no primeiro confronto, onde se constitiu em grande destaque. Ele também cumpria suspensão automática. Tcheco ficou no banco, descontado.

 Poucos acreditavam que o título voltaria para o clube do Olímpico Monumental; o estado anímico indicava uma disputa forte, mas que a balança da vitória penderia para as cores vermelha e branca, senão vejamos as escalações: Clemer, Ceará. Bolívar, Ediglê em lugar de Fabiano Eller e Rubens Cardoso; Fabinho, Paulo César Tinga e Mossoró;Michel, Fernandão e Iarley. Ainda entrariam no Colorado, Rafael Sóbis, Perdigão e Rentería. O treinador, o conhecido Abel Braga. Esse time, 4 meses depois seria campeão da Libertadores. 

O Grêmio de Mano Menezes entrou com Marcelo Grohe, Patrício, Pereira, Evaldo e Escalona; Jeovânio, Lucas,Marcelo Costa e o lateral esquerdo Wellington repetindo a "pardalice" que deu certo com Alessandro na primeira partida; na frente, Ramon e Ricardinho. Praticamente um 4-5-1, pois Ramon era mais um meia do que atacante. Participaram também, Tcheco (sem condições para os 90 minutos), Nunes e Pedro Júnior. Este último, ainda sofrendo as vaias da massa, porque no jogo recente pela Copa do Brasil contra o XV de Novembro perdera penalti decisivo.

 A partida foi muito parelha no primeiro tempo, chances de abertura de placar existiram para ambos os lados, mas os 45 minutos iniciais ficaram sem gols. Começa o segundo tempo e aos 12 minutos, Fernandão acerta as redes azuis. A festa vermelha começa. 

Em número maior no seu estádio, a massa colorada sequer sonhava com a hipótese de perder o penta em casa, ainda mais, com time muito superior em nomes e naturalmente, saindo à frente no marcador.

Porém, à partir do gol sofrido, o Gremio começou a pressionar o time mandante e as chances de gol passaram a acontecer apenas na goleira da esquerda das cabines de rádio e televisão, isto é, só dava Grêmio no ataque.

 Aos 33 minutos, Marcelo Costa cobra falta no lado esquerdo e o menino Pedro Júnior ( o quarto agachado) "casqueou" no meio de vários zagueiros e matou o goleiro Clemer. 1 a 1.

 O Gigante da Beira-Rio emudeceu. Com o resultado de empate em ambos os prélios, o saldo qualificado beneficiou o nosso Tricolor que fez a festa, ou melhor, estragou a festa dos favoritos. 
Como se em Grenal houvesse um dia um favorito! Mano Menezes mostrou nos dois clássicos que poderia fazer carreira como técnico.

 Aqueles dois confrontos desmonstraram o estrategista que o Brasil e a América conheceriam melhor nos anos seguintes, quando foi vice-campeão da Libertadores em 2007 e em seguida fazendo história noutro mosqueteiro, o Corinthians Paulista e tornar-se timoneiro da Seleção Brasileira.


22 - Zequinha, o Professor - Ano 1975

José Márcio Pereira da Silva, mineiro, cabelo black power, calça boca de sino, professor de Letras, autor de "O Time do Bagaço", lançado em 1976 pela L & PM Editores, livro precursor nos relatos das histórias da bola e dos boleiros, atualmente reside na América do Norte. Conhecem? Não! Então, quem sabe Zequinha, o dos 3 gols num certo Grenal?  Ah! Melhorou.

 Zequinha é um ser iluminado, pois jogou no Botafogo com a camisa 7 que fora de Garrincha e sucedeu o tri campeão mundial, Rogério no clube da Estrela Solitária. Foi o ponteiro direito nos dois jogos de despedida de Pelé pela Seleção Brasileira, Morumbi e Maracanã, em 1971. Mais! Foi um dos raros jogadores da dupla Grenal a fazer três tentos num único clássico. Único também, era o seu estilo de conduzir a bola em velocidade; utilizava a face externa dos pés.

 Tem lugar certo na galeria de heróis da maior rivalidade esportiva do Brasil. Para os gremistas ele não é só um herói. É um super-herói.

  Bem, apresentei o Santo, agora vou contar o Milagre. Corria o mês de Julho de 1975, nos cinemas da capital filmes como Amarcord (Cine Premier), Satyricon (Marabá), Assassinato no Orient Express (Imperial e Presidente), Loucuras de Verão (ABC) e no Gigantinho, naquela semana, Quico, Gilnei, Peri, Kleiton e Kledir, isto é, Os Almôndegas, subiriam ao palco, juntamente com Sá, Rodrix e Guarabyra mais Morris Albert, o cara do hit "Feelings". Mas o que me importava era o Grenal; ainda mais pelo fato do Tricolor fechar simplesmente, 3 anos e meio sem ganhar um. Eram 17 edições na seca. Eu estava com 16 e a última vitória, eu recém fizera 12 anos.

  Na adolescência, quase 4 anos é uma eternidade. O Grêmio vinha tropeçando no campeonato gaúcho o que o obrigou a ganhar o clássico por diferença de 3 gols, no mínimo, para decidir o turno no fim-de-semana.

 O confronto seria à noite na casa do adversário, o Beira-Rio, o que aumentava a descrença numa vitória. Além disso, o nosso time era bem inferior. Sorte que naquele ano, o presidente Luis Carvalho, ex-craque dos anos 30, trouxera um técnico promissor: Ênio Andrade.

  Com poucos recursos,  os reforços vieram do interior gaúcho e paulista. Craques consagrados, o Tricolor tinha apenas 3: Picasso, o goleiro, Anchetta e Zequinha.

 Havia 3 promessas; Bolívar, Beto Fuscão e Neca. Os outros eram "pura raça". No dia 23, utilizando o uniforme idêntico ao da Celeste Olímpica (Uruguai), o Imortal entrou em campo praticamente com a equipe da foto aí de cima, ou seja, Picasso, Vilson, Anchetta, Beto e Jorge Tabajara; Cacau, Iúra e Neca; Zequinha,Tarciso e Nenê. Entraram ainda Luiz Freire e Bolívar. 

  O Inter com Manga, Cláudio, Figueroa, Hermínio e Vacaria; Falcão, Borjão e Paulo César Carpegianni, Valdomiro, Flávio e Lula. Mais o ingresso de Claudiomiro no tempo final. No comando: Rubens Minelli.

 Um primeiro tempo de muito respeito e poucas chances de gol. Os times voltam para a segunda etapa de forma mais ousada. Aos 6 minutos, Nenê arranca pela esquerda, perseguido por Figueroa, este dá um carrinho no momento em que o ponta ia chutar; azar do chileno, pois dá um verdadeiro passe para Zequinha (primeiro, agachado na foto) e este completa para o fundo das redes.

 Não demora muito e em novo erro do capitão colorado que atrasa curto para Manga, permitindo a Zequinha, com leve toque tirar o goleiro da jogada e empurrar para o fundo da meta rubra.

 Loucura total! O impossível estava acontecendo. A sensação era a mesma do mundo quando o exército nazista perdera sua primeira batalha, a de Stalingrado, mostrando que não era invencível. O Grêmio era os russos! Faltava mais um.

 O abafa continuava, mas o baque chegou aos 40 minutos, quando o jovem Falcão descontou. 2 a 1. Pouquíssimos minutos se passam e Zequinha invade a área pela direita e solta a bomba, a bola bate no peito de Vacaria e toma o caminho das redes.

 Terceiro gol dele na abençoada goleira que fica à esquerda das sociais, em frente a galera tricolor. Quase nos acréscimos, o meia Neca invade a área e coloca no canto esquerdo, a pelota caprichosa bate na trave e não entra. Final de jogo.

 Mesmo desclassificado, o Imortal faz a festa. Vê que é possível reverter o quadro. A vitória recupera a confiança, rende dois mil cruzeiros para cada atleta.

 Zequinha é eleito o craque da partida; logo abaixo dele, com grande atuação, o zagueiro Anchetta.

 Em suas entrevistas de final de jogo, o capitão gremista diz que vai pegar a esposa e sair para dançar à noite inteira.

  Já na minha casa, meu pai, meu irmão e eu, sentamos à mesa da cozinha com o rádio Phillips de 4 pilhas grandes ao centro e pela primeira vez bebemos vinho juntos. Agora era esperar pelo video tape completo pela tevê Piratini.

 Naquele Grenal, Zequinha ensinou ao mundo como se ganha um clássico. Havia dado uma aula de futebol.


4 comentários:

  1. Bruxo, o "sarandeio" da aposentadoria do uniforme vermelho foi assim:

    SC Internacional 0 x 4 Grêmio FBPA
    Data: 6 / Novembro / 1977

    Evento: Campeonato Brasileiro - 1ª Divisão
    Local: Beira-Rio, Porto Alegre-RS
    Arrecadação: Cr$ 1.486.593,00 - Público – 57.004 (48.597 pagantes)
    Árbitro: Dulcídio Wanderley Boschilla
    Expulsão: Dionísio
    Gol: Yúra 37' do 1º tempo; Tadeu Ricci (pênalti) 17', Yúra 26', Tarciso 40' do 2º tempo
    Internacional: Benítez, Batista, Belliato, Gardél, Dionísio, Caçapava (Vasconcelos), Falcão, Jair, Valdomiro, Luizinho Lemos, Edú (Escurinho). Técnico: Carlos Gainete Filho
    Grêmio: Corbo, Eurico, Wilson, Oberdan, Ladinho, Vítor Hugo, Tadeu Ricci, Yúra (Jorge Leandro), Tarciso, André, Eder. Técnico: Telê Santana


    Aqui a relação de clássicos em que o Inter manteve a hegemonia de 17 jogos sem derrota.
    Incluí a vitória gremista imediatamente anterior ao período de invencibilidade colorada e o GRENAL do Zequinha, que encerrou o jejum.
    Interessante notar que as duas vitórias gremistas foram pelo mesmo placar e no mesmo estádio, o Beira-Rio

    05.08.1971 - Internacional 1 x 3 Grêmio - Beira-Rio - Gols: Caio 9', Everaldo (contra) 20', Scotta (pênalti) 37' do 1º tempo; Caio 36' do 2º tempo
    17.10.1971 - Internacional 1 x 0 Grêmio - Beira-Rio
    02.03.1972 - Internacional 1 x 1 Grêmio - Beira-Rio
    05.03.1972 - Internacional 1 x 1 Grêmio - Olímpico
    26.03.1972 - Internacional 0 x 0 Grêmio - Beira-Rio
    21.05.1972 - Internacional 2 x 2 Grêmio - Beira-Rio
    06.08.1972 - Internacional 1 x 0 Grêmio - Olímpico
    20.08.1972 - Internacional 1 x 0 Grêmio - Olímpico
    30.08.1972 - Internacional 2 x 0 Grêmio - Beira-Rio
    20.09.1972 - Internacional 1 x 0 Grêmio - Beira-Rio
    20.05.1973 - Internacional 1 x 1 Grêmio - Beira-Rio
    05.08.1973 - Internacional 0 x 0 Grêmio - Olímpico
    11.11.1973 - Internacional 1 x 1 Grêmio - Beira-Rio
    24.03.1974 - Internacional 2 x 1 Grêmio - Beira-Rio
    29.09.1974 - Internacional 1 x 0 Grêmio - Olímpico
    01.12.1974 - Internacional 1 x 0 Grêmio - Beira-Rio
    01.05.1975 - Internacional 2 x 0 Grêmio - Beira-Rio
    13.07.1975 - Internacional 2 x 1 Grêmio - Olímpico
    23.07.1975 - Internacional 1 x 3 Grêmio - Beira-Rio - Gols: Zequinha 7', Zequinha 25', Falcão 40', Zequinha 42' do 2º tempo

    ResponderExcluir
  2. Gracias, Alvirubro!
    Obrigado pelas estatísticas. Um abraço especial pelo 18/05.

    ResponderExcluir
  3. Os gols do jogo:

    https://www.youtube.com/watch?v=C8q9b5yjMY8

    ResponderExcluir