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sábado, 11 de julho de 2015

Pequenas Histórias



Pequenas Histórias (87) - Ano - 1978


O choro inútil

André e Tarciso

O choro acompanha os verdadeiros torcedores. Mesmo que a situação seja de profunda alegria, ele pode estar presente até de uma forma descontrolada; uma compulsão que se apossa e marca uma conquista. Pega os torcedores de quase todas as faixas etárias.

Nas derrotas, nos momentos de tristeza, o choro se faz mais presente entre os adolescentes, o mundo desaba diante de um insucesso, que parece eterno. Os mais maduros conseguem administrar, usando a razão e aguentam o tranco melhor.

Tenho em minha vida inúmeras passagens de choro, algumas pelo Grêmio, a última foi a Batalha dos Aflitos, já passado dos 40 anos. Foi um choro de alegria.

Sei que na adolescência devo ter chorado nas derrotas, especialmente as sofridas para o Coirmão nos anos 70, mas não lembro de uma ocasião certa, daquelas que a gente recorda de cara. Foram deletadas da mente.

Porém, curiosamente, um dos maiores choros, já me pegou aos 19 anos, foi de alegria, mas de uma inutilidade a toda a prova. Um choro inútil, como vou lhes contar.

Foi no Brasileiro de 1978, nas quartas-de-final daquele campeonato, que acabou vencido pelo Guarani de Campinas. Pois bem, nesta fase da competição, um dos cruzamentos foi Grêmio versus Vasco da Gama; primeiro jogo no Maracanã, em 27 de Julho, o segundo, três dias depois no estádio Olímpico. 

O clube da Cruz de Malta tinha a vantagem em caso de igualdade de resultados, mesmo assim, o primeiro confronto foi no Rio de Janeiro, na quinta à noite. A partida terminou empatada, 1 a 1, Guina fez para o Vasco e André empatou. Excelente resultado para quem tinha jogado a ida fora de seus domínios.

No Domingo, às 15 horas, mais de 57 mil pessoas ocupavam o Olímpico e o Tricolor de Telê Santana foi à campo com Walter Corbo; Vilson Cereja, Atílio Ancheta, Vicente e Ladinho; Vitor Hugo, Tadeu Ricci e Yúra; Tarciso, André Catimba e Renato Sá. 

O time carioca orientado por Orlando Fantoni entrou com Mazaropi; Orlando Lelé, Fernando, Gaúcho e Marco Antônio; Zanata, Zé Mario, Guina e Dirceu Guimarães; Roberto Dinamite e Paulinho.

Ainda jogaram Valderez e Oberdan (Grêmio), Helinho e Paulo Roberto (Vasco da Gama).

Eu tinha uma certeza indestrutível que o Imortal ia passar, o time Tricolor era melhor, mais ajustado, tinha Telê, na minha cabeça de jovem, o maior treinador do mundo, apesar de teimoso e de ter punido o time ao afastar Éder, após uma brincadeira infeliz do ponta, que envolveu os sapatos do técnico.

Essa certeza começou a ruir aos 19 minutos da primeira fase, quando Roberto Dinamite marcou e as primeiras cenas dramáticas deram as caras.

Quase ao final da primeira fase, mais exatamente, aos 39 minutos, veio o lance que me levou ao choro. Um pênalti para o Grêmio e a chance de empatar, antes do intervalo.

Tarciso foi o escolhido para bater, mas como? Tarciso? Me veio à lembrança o ano anterior, a decisão do Gauchão, a quebra da hegemonia vermelha no Rio Grande, o Grêmio, antes do gol de André, tivera uma penalidade a favor e Tarciso, o que jamais perdera um pênalti, foi, bateu e mandou longe da meta, um desespero para a torcida, para o mais otimista dos torcedores até o tento antológico de André.

Três dias passados, jogo das faixas, Grêmio e Palmeiras, Olímpico, pênalti e o que faz Tarciso? Repete a cobrança do domingo anterior e manda ao lado da goleira. Coincidência?

Menos de um mês decorrido e o Tricolor encara o Joinville pelo Brasileiro, novo pênalti e quem vai bater? Tarciso. Era para espantar os fantasmas, porém, o que acontece é a terceira perda seguida, da mesma forma, bola fora do "alvo", sequer alcançou a goleira.

Depois disso, houve troca do batedor, Tadeu e Éder, os novos, voltaram a converter com um ou outro perdido.

Pois, naquele momento, 39 minutos da primeira fase, eu ouço o narrador dizer que é Tarciso que vai para a cobrança, por que? Mazaropi tinha fama de pegador de penalidades. O Imortal precisava mais do que nunca empatar. A adrenalina subiu, foi aos píncaros, o coração disparou.

O mineiro foi para a bola, chutou com força, inapelável, estufou as redes, exorcizou o seu recente histórico. E eu chorei. Chorei tanto, quanto algumas conquistas inesquecíveis.

Veio a etapa final e o Grêmio não furou o bloqueio do clube da Colina. Telê fez entrar o zagueiro Oberdan, exímio cabeceador, como ponta-esquerda no lugar onde deveria estar Éder. Surrealismo puro.

O Vasco segurou a onda e se classificou com o novo 1 a 1. Ficamos no quase.

Acho que eu fui o único gremista a ficar com uma recordação monumental de um episódio irrelevante na história do Tricolor. De um jogo comum que ficou escondido na estatística.

Utilizei os dados do cedê rom da Placar e do site sosumulas.blogspot.com.



15 comentários:

  1. Leonardo

    Bruxo: Eu e meu irmão também estávamos entre os 57 mil torcedores desse jogo. Eu morava em Rio Grande e viajamos de onibus somente para ver esse jogo. Fiquei atrás do gol que o Tarciso bateu o penalti. Me lembro que a torcida gritava "é esse" toda a vez que o Guina pegava na bola. No final do jogo fiquei impressionado com a chuva de almofadas arremessadas pela torcida em direção ao campo!

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  2. Leonardo
    Que legal esse retorno! Esqueci de colocar no texto, que o Guina foi expulso; era bom jogador, chegou á seleção, mas batia monte. No futebol atual, o Dagoberto que joga hoje contra o nosso time é muito parecido no estilo. Fisicamente, o Guina é mais moreno do que o Dagoberto.
    O Renato Sá, também foi expulso pelo José Assis Ara(men)gão.

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  3. Leonardo
    Outro ponto interessante do teu comentário: A chuva de almofadas, hoje daria interdição do estádio, mas a violência entre torcedores, esses embates físicos entre torcidas atual, isso quase não se tinha notícia.

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  4. Daison Sant Anna31/10/2016, 21:38

    Talvez tenha ficado como jogo comum porque o Grêmio não foi campeão ou vice (2º lugar dava vaga para Libertadores). Mas em 1978, o Grêmio fez uma campanha incrível, uma pena não ter conquistado o título.

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  5. Daison
    Faltou um grande goleiro;o uruguaio Corbo era um bom arqueiro, mas a exigência brasileira era outra.

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  6. Acabo de ler a sugestão. Bela história. Uma lástima o final. Minha avó muito falou e ainda fala deste time. Tadeu, o goleiro Corbo, Yura. O primeiro quadro que eu vi do Grêmio foi o de Campeão de 77. Realmente acredito que esta época tenha sido a mais difícil para todos os gremistas. Meu avô era muito orgulhoso deste time. O quadro que referi era dele.

    E sim, o choro realmente faz parte da vida de quem ama um clube de futebol. Mas com o passar dos janeiros a gente aprende que o choro precisa ser guardado apenas para bons momentos.

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  7. Rodrigo
    Considero o Tadeu Ricci, o maior jogador de meio de campo que vi no Grêmio.

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  8. Pois é. A minha avó de 84 anos considera ele muito mais do que o Renato.

    Ela conta uma história de que ele (Tadeu) voltou para o Grêmio numa época em que o clube andava mal das pernas. Segundo ela, ele teria jogado quase que de graça. Se é fato ou mística eu não sei.

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  9. Rodrigo
    Ele está entre os maiores da minha memória; meu trio de meio de campo, Arthur, Tadeu Ricci e Gessy (pelo que contava meu pai).

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  10. Este Gessy, também muito ouvi falar dele. Foi o tal que marcou 4 gols na Bombonera há 60 anos atrás. Antigamente o futebol deveria ter um "gosto" muito melhor do que o futebol de hoje em dia.

    Ou será mera impressão de quem não viu e nem viveu nesta época?

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    1. O Gessy parou com 27 anos, tornou-se dentista. Era o ídolo da Elis Regina e o falecido Foguinho dizia que foi o melhor jogador da história gremista.

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    2. Haha.

      Verdade. Eu li esta história. Naquele tempo o futebol não era visto como esporte. Hoje: negócio lucrativo.

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  11. Ainda sobre o choro...

    Falo muito nos meus avós porque foram eles a minha figura paterna e materna. Fui criado como filho pelos dois.

    Em 94, quando Nildo subiu para marcar o gol da vitória diante do Ceará eu estava ao lado do meu "pai/vô". O jogo foi transmitido pela antiga Rede Machete. O Grêmio foi campeão, fiquei feliz, mas não foi neste jogo que chorei pela primeira vez de alegria. Em 95, no Bi da Libertadores fiquei muito mais feliz, bá! Mas apenas em 96, quando Aílton pegou de prima aquela bola e a fez morrer no fundo dos cordéis do goleiro Clemer, eu chorei como nunca havia chorado na vida. Coisa boa. No apito final então, mais ainda. Lembro de ter abraçado minha "mãevó" num choro só que parecia não ter mais fim, a alegria parecia querer explodir dentro de mim.

    Confesso que depois disso, apenas em 2007 nas quartas de final daquela L.A. que voltei a ter um choro parecido com aquele. E a partida em si nem foi lá tão crucial. Em 2005 eu comemorei muito o acesso, mas não chorei devido a adrenalina daquele jogo. E dizer que assisti a partida na casa de um colorado. Eu mais disparava xingamentos do que qualquer outro tipo de coisa naquela casa. Foi um misto entre desespero e alegria. Mas hoje, basta rever o dvd ou qualquer vídeo deste jogo para que a emoção tome conta do espirito.

    Que venham novas emoções pela frente!

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  12. Pois a última vez que chorei, eu já tinha mais de 40 anos e ficamos abraçados, eu e meu irmão que faleceu em 2017, era mais novo do que eu, depois que o Grêmio bateu o Náutico em 2005. Acho que junto com 77, estes foram os títulos mais comemorados, ironicamente, um Gauchão e uma Série B. Vai entender!!!

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  13. É. Eu percebi na postagem. Com certeza foi algo inesquecível e digno de lágrimas; até hoje nunca visto no futebol uma vitória como aquela. Ao contrário de muitos gremistas, eu tenho orgulho de ter vencido uma série B. Ainda mais do jeito que foi.

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