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sábado, 28 de março de 2020

Pequenas Histórias



Pequenas Histórias (229) - Ano - 1974


Uma Tarde Melancólica na Baixada

Fonte: Correio do Povo

Presencio a violência no futebol atual; porém, ele é fora dos estádios, como exceção ocorre dentro dos estádios, pois medidas radicais foram tomadas e os próprios torcedores zelam pela ordem, por índole ou por proteção aos seus clubes de coração, que no final pagarão o pato, se os arruaceiros não forem identificados. É um avanço social, sem dúvida.

No entanto, há quase 50 anos, o bicho pegava nos "acanhados" estádios de futebol do interior gaúcho, onde me criei. Nomes históricos eram confundidos com campos de batalhas, coliseus farroupilhas como Pedra Moura e Estrela D'Alva, ambos em Bagé, Wolmar Salton do Gaúcho de Passo Fundo, Montanha em Bento Gonçalves, Baixada Rubra (atual Centenário) em Caxias e também outra Baixada, a Melancólica, isto é, o Presidente Vargas de Santa Maria.

Presenciei das arquibancadas de madeira das gerais desta Baixada, torcedores subindo na tela, esticando o braço e mirando certeiramente com um saco de urina (mijo) cabeças dos bandeirinhas, sem que nada fosse feito. Aliás, para a Brigada Militar intervir era preciso algo relevante como a pedrada que vi deste mesmo lugar na cabeça de um bandeirinha, certa vez. O sangue jorrou do corpo estendido no gramado, para vibração da massa. Nestes casos, a partida era interrompida.

Outro avanço destes tempos que vivemos; presença de mulheres. No interior à época, o homem que levava uma mulher e passasse (geralmente no "corredor, abaixo do último degrau do poleiro que chamávamos de arquibancada), tinha que baixar a cabeça, apressar o passo e aguentar o coro de piranha (versão mais leve) e puta (versão mais próxima da realidade destes fatos) dirigido à sua acompanhante. Hard Times!

Resumindo: Uma aula de selvageria sem distinção de classe social.

Pois em 1974, um Domingo, eu, meu pai e muitos torcedores fomos alvos desta violência. 

Chegamos cedo ao estádio como era recomendado pelo bom senso. Logo avistei o meu professor de educação física, igualmente, árbitro de futebol, apitando a preliminar. Estávamos na goleira que fica para a Niederauer, isto é, a da entrada principal (avenida Liberdade), esta da foto acima. 

Eu tinha 15 anos, meu ia para os seus 64 (imaginem um sexagenário há quase meio século passado) e ficamos colados à tela, quase atrás da goleira, quando aquela fila de torcedores prensados começou a ser alvo de cascas de bergamotas. Lembro que eu estava com uma jaqueta Lee (uma preciosidade para a época) que um primo não gostou e me repassou a relíquia que eu usava sempre que podia; ela me serviu de escudo, quando a puxei, encobrindo minha cabeça. Por sorte, meu pai levara um "gorro", naquele gelado inverno gaudério.

Tentamos assistir o Grêmio que encarava o Inter-SM pelo Gauchão. Foi complicado.

Complicado também foi o primeiro tempo, o placar ficou em 0 a 0 num péssimo futebol gremista e um leve predomínio dos locatários.

No intervalo, eu olhava para o meu pai, pensando em pedir para ir embora, mas com pena de frustrar o velho de ver o seu time do coração. Soube em seguida, que ele olhava para o guri e ficava com receio de sugerir a debandada; ouvir a partida no caminho de volta para casa.

Uma hora, os pensamentos se encontraram e decidimos ir à pé, ouvindo a Guaíba, perdendo assim, toda a etapa final.

Quem não perdeu foi o Tricolor, pois voltara bem melhor e arrasador para os 45 minutos derradeiros, muito pela troca que Sérgio Moacir fizera: Saiu Luiz Freire, entrou Luiz Carlos Guterrez, um ponta de lança por uma meia esquerda clássico. Funcionou.

Logo aos 6 minutos, o primeiro gol gremista, originado pela cobrança de falta que Loivo sofrera de Tadeu Menezes; o lateral esquerdo Jorge Tabajara desferiu um míssil e Nadir saltou atrasado. 1 a 0.

Aos 11, nova falta, desta vez, Torino rolou para Loivo, que desferiu mais um petardo que resvalou na barreira e enganou o arqueiro colorado. 2 a 0.

Aos 36 minutos, Everaldo atuando como lateral direito, centrou, a pelota sobrou para Luiz Carlos que fez o tento mais bonito da tarde num chute de fora da área. 3 a 0.

O gol de "honra" veio nos acréscimos, quando Picasso soqueou um cruzamento, porém, a bola se ofereceu fora da área para o lateral Tadeu; ele bateu no alto, encobrindo o goleiro gremista e dois defensores que estavam sobre a linha fatal do arco. 3 a 1.

O Grêmio utilizou; Picasso; Everaldo, Beto Bacamarte, Beto Fuscão e Jorge Tabajara; Torino, Yúra e Luiz Freire (Luiz Carlos); Zequinha, Tarciso e Loivo.

André Heinz usou: Nadir; Tadeu, Adilson, Donga e Domingos; Paulinho, Valdo e Plein; Edson (Rudinei), Silvio e Marcos Cavaquinho (Sadi Escurinho).

A arbitragem foi de Agomar Martins com público excepcional que proporcionou até aquela rodada, a melhor renda do Gauchão.

Fontes: Jornal A Razão
              Jornal Correio do Povo








4 comentários:

  1. Que bela história, Bruxo!
    O público divulgado, desse dia, foi de 11.982. Contam que havia muito mais gente.

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  2. Alvirubro
    Naquela época não havia muita preocupação com a segurança.

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    1. De fato! Quando repassamos, aos mais jovens, histórias vivenciadas na nossa adolescência e na nossa juventude, como torcedores, é possível fazer um paralelo do quanto o futebol melhorou.
      Aliás, nos últimos 20 anos, houve uma melhora sensível no tratamento com o público nos estádios. Creio que os dirigentes descobriram que um pouco mais de segurança e de conforto é o que garante a boa arrecadação nos jogos. Os clubes bem administrados, que dão retorno ao sócio e ao torcedor em geral, certamente estarão à frente dos demais, nos campeonatos que disputarem.
      Por exemplo, houve um tempo em que jogar num péssimo gramado era fator principal para um pequeno derrotar um grande. Com raras exceções, esse tempo já passou. Felizmente!

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  3. Exato! Também presenciamos esses acontecimentos; em lugares com seca, apareciam gramados encharcados com buracos "feitinhos na hora". Um absurdo!

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