UMA CONQUISTA MAGISTRAL
6 de junho de 1938 - França
Antes da partida, o
Brasil perdeu o sorteio para definir a cor do uniforme, já que, assim como a
Polônia, usava camisetas brancas. Acabou entrando em campo com uma camiseta
azul, e sem o distintivo, e com um calção azul. Só que futebolisticamente, tudo
foi diferente.
Raras vezes o público
teve oportunidade de presenciar uma atuação como fez Leônidas, que parecia
estar “endiabrado”. Com certeza, nunca tinham visto um jogador com tamanha
habilidade e agilidade. Aos 18 minutos, foi de Leônidas o primeiro gol do jogo:
combinando com Perácio, Romeu Pelliciari entregou a Leônidas que avançou,
mandando violento chute em direção ao gol. O “keeper” polonês não conseguiu
defender. Brasil 1x0! A torcida aplaudiu freneticamente o atacante brasileiro.
O único gol polonês, no
primeiro tempo, só surgiu porque numa investida do ataque adversário, Gerard
Wodarz agarrou, na área, Domingos da Guia. O árbitro interpretou a falta de
forma equivocada e marcou pênalti para a Polônia. Apesar da reclamação de
milhares de torcedores, Fryderyk Scherfke converteu em gol a cobrança, aos 23
minutos.
Tão logo teve reinício
a partida, aos 25 minutos, Romeu Pelliciari colocou o Brasil na frente do
placar. 2x1! E aos 44 minutos, após uma jogada fulminante da linha de atacantes
brasileira, Perácio recebendo a bola de Martim Silveira, de cabeça, fez o terceiro
gol para a nossa Seleção. Final 3x1! No 1º tempo, os brasileiros dominaram
nitidamente a partida, fazendo um jogo matemático e preciso, cheio de jogadas
envolventes, em todos os setores do campo.
Boquiabertos, os
torcedores europeus viram um futebol que nenhuma seleção havia praticado até
então, tal foi a qualidade apresentada nas jogadas criadas. Não fosse o excesso
de preciosismo dos atacantes, a equipe brasileira poderia ter marcado bem mais
que os 3 gols alcançados na primeira etapa.
Debaixo de uma chuva
torrencial, teve início a segunda etapa de jogo. Devido ao péssimo estado em
que se encontrava o gramado, a partida decaiu de qualidade em todos os seus
aspectos, quer em relação à parte técnica, quer em relação ao entusiasmo dos
atletas. Os defensores brasileiros passaram a errar em demasia e a Polônia
cresceu no jogo. Arthur Machado, zagueiro brasileiro, parecia descontrolado.
Aos 8 minutos, Ernest Wilimowski chuta. A bola desvia em Machado e vai para o
fundo do gol. Placar de 3x2 para o Brasil!
Aos 14 minutos, depois
de uma falta praticada por Leônidas no ataque brasileiro, a bola é lançada para
Ernest Wilimowski, que escapa, ao driblar Domingos da Guia, e empata a partida
com um violento tiro, que Batatais não consegue alcançar. 3x3!
Aos 26 minutos é
assinalado um "corner" contra o Brasil. Batido o escanteio a bola
“voa” para a área e Domingos da Guia salva. Lopes escapa e passa a Leônidas.
Este dá a Perácio que passa a Romeu Pelliciari. Ambos investem. Perácio entra e
chuta violentamente de uma distância de 35 metros, batendo o goleiro Edward
Madejski. A assistência aplaudiu entusiasticamente o feito do jogador
brasileiro, que deu um incrível “pelotaço”. Brasil 4x3 Polônia!
Nova saída de bola do
centro do gramado e Leônidas toma a bola e vai ao ataque. Troca passes com um
atacante brasileiro e adentra a grande área. É derrubado e o árbitro não marca
a penalidade máxima. Em meio aos torcedores, inúmeros sul-americanos reclamam e
passam a gritar repetidas vezes: Brasil! Brasil! Brasil!
A Polônia passa a jogar
com violência e o árbitro não coíbe o jogo faltoso. Leônidas é segurado
novamente dentro da área, pela camiseta. O árbitro manda seguir a jogada. As
oportunidades criadas pelo time do Brasil vão se acumulando e nada de surgir o
gol. Numa perigosa investida dos poloneses, Batatais choca-se contra trave,
tentando defender um forte chute adversário. A Polônia pressiona mais e mais.
Batatais passa a praticar defesas espetaculares. O jogo atinge os minutos
finais. Perácio pressiona o árbitro pedindo o término da partida. A Polônia vai
ao ataque, aos 44 minutos, e Ernest Wilimowski, chutando a gol, numa última
tentativa de igualar o marcador, vê a bola passar debaixo do corpo do goleiro
brasileiro. 4x4! A prorrogação estava à caminho.
Na saída de bola,
via-se nitidamente o nervosismo dos jogadores brasileiros. Aos 3 minutos,
Hércules de posse da bola, encontra Leônidas bem colocado. Com um belo jogo de
corpo, o atacante dribla dois adversários, investe e chuta para marcar o quinto
gol para o Brasil. Calorosamente, vibram e aclamam os torcedores. Brasil 5x4!
Os jogadores
brasileiros souberam reagir com muito entusiasmo e exerciam o controle pleno da
partida. Entretanto, continuavam perdendo chances de aumentar o placar. Somente
aos 14 minutos, Leônidas, numa violenta rebatida, de pé esquerdo, marca o
último gol do Brasil. 6x4! O árbitro não percebeu que, após um chute, Leônidas
havia perdido a chuteira. No rebote, mesmo descalço, marcou o gol.
A descrição da jogada
feita pelo jornalista Geraldo Romualdo da Silva é encantadora:
“No primeiro arremesso,
o campo encharcado, a bola saiu junto com a chuteira. E rolou, meio morta, nas
mãos tentaculares de Madejski. Era de não se esperar mais nada. Madejski no
entanto escorregou no tiro de meta. A bola subiu, subiu e caiu bem na frente de
Leônidas. Numa fração de minuto, Leônidas se pôs de pé, e assim mesmo, na
posição incômoda que se encontrava, não vacilou e emendou, direto, um sem-pulo
seco e definitivo: rede. A batida, forte e inesperada, apanhou o pequeno estádio
da cidade de Estrasburgo de boca aberta. Foi um estremecimento geral. Os
comentaristas esportivos da Europa, que supunham ter visto tudo dentro das
quatro linhas de um campo de futebol, reagiram com espanto, perplexidade e
gritos de Bravo! Bravo! Bravo!”
O primeiro tempo da
prorrogação termina e as equipes trocam de lado. Dada a nova saída, o Brasil
passa a se defender. A Polônia teria ainda tempo para marcar o quinto gol, por
intermédio de Ernest Wilimowski. Final de jogo: Brasil 6x5 Polônia. Após a
vitória, os jogadores carregaram Leônidas em triunfo para fora do campo, aplaudidos
pela grande assistência.
A Seleção teve 8
escanteios a seu favor, contra 12 dos poloneses. Cometeu 13 faltas e os
adversários 23. Batatais defendeu 18 chutes e o goleiro polonês interveio em 20
oportunidades.
Leônidas da Silva foi,
sem dúvidas, o grande destaque da partida entre BRASIL e POLÔNIA.
Entretanto,
Perácio, o “Pequeno Terrível”, assim chamado pelos torcedores que viram a
partida, em Estrasburgo, também merece receber os “louros da vitória”, tamanha
foi a sua atuação.
Cabe destacar que foi o
jornalista francês Raymond Thourmagem, da revista Paris Match, quem apelidou
Leônidas de "Diamante Negro". O jornalista ficou maravilhado pela
habilidade do jogador brasileiro. A empresa Lacta acabou homenageando o
jogador, criando o chocolate "Diamante Negro". Noticia-se que
Leônidas nunca cobrou nada pelo uso da marca. Porém, segundo confirmou a
própria Lacta, o valor do contrato foi de 2 contos de réis, além de uma participação
nas "vendas futuras".
A descrição da
importância de Leônidas da Silva, nos minutos finais da partida contra a
Polônia, feita pelo jornalista Thomas Mazzoni, que cobria a Copa pelo jornal A
Gazeta, é memorável:
"Simplesmente
assombroso. Foi a ponta de dinamite do nosso quadro. Em improvisação, Leônidas
fez o impossível. Cada lance do avante flamenguista era uma corrente elétrica
de entusiasmo na multidão! Arte de bruxaria (...) E Leônidas – vejam mais esta
– era guardado por três policiais poloneses, que o tratavam sem cerimônia,
recebendo, porém sempre com o troco (...) Sim: Leônidas desafiava os
antagonistas no jogo agressivo! O “negrinho”, sem poupar coragem, andou
“pisando”, para impor respeito (...) Tantas vezes o aterraram, tantas vezes se
levantou”.
BRASIL 6x5 POLÔNIA
Data - 5 / 6 / 1938
Árbitro - Ivan Eklind
(Suécia)
Local - Estádio de La
Meinau - Strasbourg (França)
Público - 13.452
Gols - Leônidas da
Silva 18', Friedryk Szerfke (pênalti) 23', Romeu Pelliciari 25', Perácio 44' do
1º tempo; Ernest Wilimowski 8', Ernest Wilimowski 14', Perácio 26', Ernest
Wilimowski 34' do 2º tempo; Leônidas da Silva 3', Leônidas da Silva 14' do 1º
tempo da prorrogação; Ernest Wilimowski 13' do 2º tempo da prorrogação
BRASIL - Batatais,
Domingos da Guia, Arthur Machado, Zezé Procópio, Martim Silveira, Affonsinho,
José dos Santos Lopes, Romeu Pelliciari, Leônidas da Silva, Perácio, Hércules.
Técnico - Adhemar Pimenta
POLÔNIA - Edward
Madejski, Wladyslaw Szczepaniak, Antoni Galecki, Wihelm Góra, Erwin Nyc, Ewald
Dytko, Ryszard Piec, Leonard Piatek, Fryedryk Scherfke, Ernest Wilimowski,
Gerard Wodarz. Técnico - Józef Kaluza
por Alvirubro
Emocionante.
ResponderExcluirO mesmo jornalista francês, também apelidou Leônidas de "Homem-Borracha".
ResponderExcluirJogou a Copa de 34 na Itália e se consagrou nesta, pena que não pode jogar as outras duas seguintes, 42 e 46.
Tenho a biografia dele, seguramente, foi o primeiro super-craque que tivemos, embora houvesse nessa época, Domingos da Guia e antes, Friedenreich.
Bruxo, sobre Leônidas da Silva, é impossível descrever tudo aquilo que ele merece, em apenas uma página. Não foi em vão que surgiu "Diamante Negro", de André Ribeiro. Vale à pena.
ResponderExcluirLeônidas da Silva, "cracaço" do futebol mundial, morreu em janeiro de 2004, aos 90 anos, muito debilitado pelo Mal de Alzheimer.
Alvirubro!
ResponderExcluirComo costumo deixar anotado no livro a data que li, digo, Março de 1999 a obra do André.