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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Pequenas Histórias


Chegamos a centésima quinquagésima crônica denominada Pequenas Histórias, por ser especial para mim, retomo o tema que originou a primeira. 

Pequenas Histórias (150) - Ano - 1971

O Centauro dos Pampas de Papel

Fonte: Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo










...Estou me convencendo que a análise de Carlos Chamaco Rodriguez não pode ser feita segundo os padrões comuns... O homem não é apenas  um jogador de futebol. Faltaria à análise alguma coisa essencial a Chamaco Rodriguez: o homem, a personalidade, o mito que se vai formando aos poucos... Não existe a menor dúvida: estamos assistindo a cada dia à construção de um mito... Já li que o Internacional deveria ter alguém para contrabalançá-lo, um líder fogoso, múltiplo, mitológico, também... Um dia destes algum tradicionalista não se contém e o identifica com o centauro dos pampas. E aí se completa a imagem.” (Conservei a grafia original dos fragmentos selecionados).

São extratos da coluna de Ruy Carlos Ostermann no Correio do Povo de 08 de Junho de 1971 sobre a figura “mitológica” que ele viu em Chamaco Rodriguez. O tempo se encarregou de mostrar que fora um exagero. Que bom que os grandes jornalistas, também não são infalíveis. A gente fica mais tranquilo na esgrima com palavras e pensamentos.

 Chamaco era maior na pena do jornalista do que dentro das quatro linhas.

Dois dias antes, 06, aqui em Santa Maria no Grenal do Interior, Carlos Manuel Rodriguez, o Chamaco, faria o gol mais bonito que presenciei ao vivo (vide Pequenas Histórias 01) na minha vida.

Era um piá de 12 anos vivendo a expectativa do singelo clássico. Choveu no Sábado, havia riscos de transferência da partida, mas no Domingo, logo no início da tarde, eu, meu irmão e nosso pai descemos a Niederauer até o estádio do Coloradinho. Para quem conhece esta rua, sabe que a pé, é uma grande “puxada” o trajeto do centro até a atual Avenida Liberdade, onde fica o Presidente Vargas (Baixada Melancólica). O barro e o frio, duas companhias constantes  em nossa caminhada.

O estádio estava lotado, o público espremido e “encapotado” diante do rigor daquele Junho (vide foto à direita com Beto cabeceando e a arquibancada lotada ao fundo); nós ficamos atrás da goleira à esquerda das arquibancadas contrárias ao pavilhão.

Oto Glória sem contar com o tricampeão Everaldo mais o ponta esquerda Loivo,  mandou à campo: Jair, Chiquinho, Rostain, Beto Bacamarte e Cláudio Radar; Chamaco Rodriguez, Torino e Gaspar; Flecha, Scotta e Carlos.

O Inter SM treinado por Itamar Sampaio utilizou: Valdir; Tadeu, Santo, Donga e Carlinhos; Paulinho e Caio Flávio; Juarez (Leopoldo), Plein, Maneco e Maurinho.

A primeira etapa foi frustrante para os torcedores gremistas que viram seu time atuar recuado, confuso em todos os setores, sendo envolvido pelos locatários. O 0 x 0 que perdurou nos primeiros 45 minutos foi um prêmio para o Tricolor.

O lendário treinador gremista que dera o 3º lugar a Portugal na Copa de 66, ajeitou o time durante a etapa final; fez entrar um lateral direito de ofício, Valdir Espinosa, retirou Rostain que falhara no gol do Interzinho, passando Chiquinho Pastor para o seu verdadeiro lugar, a zaga central. Caio Cabeça entrou no lugar do ex-juvenil Carlos, um centroavante que jogou deslocado e Torino fez o lado esquerdo ofensivo. O meio virou um quarteto fantástico: Chamaco, Caio, Gaspar e Torino. Nenhum quebrador de bola.

Aos 11 minutos, Flecha foi ao fundo, cruzou forte e Néstor Leonel Scotta acertou poderosa cabeçada que fulminou o arco vermelho. 1 a 0.

Maneco empatou aos 18 minutos, quando se aproveitou de um recuo mal feito pela defesa azul; com um toque leve, tirou  Jair da jogada. 1 a 1. Voltava a esquentar o confronto.

Aos 27 minutos, Gaspar e Caio, os “amigos da bola” como eram chamados, trocaram passes e Scotta foi servido à frente da área, o argentino acertou um poderoso petardo no ângulo superior de Valdir Garcia. 2 a 1.

Aos 37 minutos veio o momento supremo da partida, um lance inesquecível para quem presenciou, “um gol que se repete de 50 em 50 anos” bradou o narrador Milton Jung da Rádio Guaíba.

Scotta e Chamaco tabelaram, a bola chegou à direita, veio o cruzamento à meia altura até a marca do pênalti, Chamaco se passa. Acrobaticamente, estica a perna esquerda e de calcanhar, acerta a bola que viaja sobre o seu corpo, encobre o goleiro colorado e rente ao travessão, penetra no meio do gol. Um gol de “chilena”, uma bicicleta às avessas. Um golaço.(Na foto à esquerda, ele comemora o feito juntamente com Scotta e Flecha).

José Cavalheiro de Moraes controlou o apito que teve renda de Cr$ 19.990,00.

Se algum dia, eu pudesse entrar no túnel do tempo, um dos momentos escolhidos, certamente, seria esse. Encarar o barro, o frio, a longa caminhada, mas, tendo a certeza de encontrar lá na frente, um arco-íris nostálgico e avistar o Centauro dos Pampas, ainda que ele fosse mais de tinta e papel, obra da imaginação e do privilegiado texto do príncipe da crônica esportiva riograndense, o mestre Ruy Carlos Ostermann.

Fonte:  Jornal Correio do Povo
              Jornal A Razão

            


13 comentários:

  1. eu tenho o áudio da narração do gol de Chamaco...

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  2. Grande Daison!
    Como é que podemos ouvir. É do Milton Jung?

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    1. sim, podemos..Mílton Jung. como se passa o som do cd para o not?

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    2. talvez para o youtube; não sei, realmente.

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  3. Pena não ter vídeo do lance.

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  4. Acho que se perdeu com um incêndio na tv piratini, Glaucio.

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  5. Vi Chamaco jogando, no Olímpico. Muito Bom (não excelente, como muito bem colocastes). Diria que seria um misto de Dinho e China, com um pouco mais de vibração (certamente pela sua origem portenha). Impunha respeito. Na sua foto, até estranhei porque na maior parte do tempo ele usava um "bigodão" (talvez ai a origem do repeito que tinham por ele, além, claro, de uma marcação firme, para não dizer, por vezes dura). Veio, se não me falha a memória, na mesma época que Scotta. Na sua "Pequenas Histórias", que na verdade são grandes, estranhei o Torino estar na esquerda do meio porque quem normalmente fazia esta posição era o Gaspar. Ambos ótimos. Como tocastes no nome de Espinosa, vale o registro: particularmente, um dos melhores laterais direitos que o Grêmio já teve, junto com Arce, Alfinete e Paulo Roberto.

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  6. Verdade, Arih
    O Espinosa é um cara subestimado na memória dos gremistas. Jogador técnico, muito bom na marcação e saía bem para o ataque, além de boa leitura de jogo, não por acaso, com 31, 32 anos, ele foi vice-campeão gaúcho treinando o Esportivo de Bento.

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    1. Diria até que ele junto com o Cláudio do Inter (mais este último), "fizeram a roda" que Cláudio Coutinho se utilizou na seleção (o tal de overlapping). Mas isso, claro, a imprensa do centro do país não comenta, pois toda a hegemonia pertence a eles. Nós somos figurantes nesta história. Airton Pavilhão, Scala, Gessy, o Bugre, Bráulio, Elton, Milton Kuele, Alberto, Luis Luz, Calvet, Lara e tantos outros que o digam.

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  7. Arih
    Eles tinham que ser muito bons para o Eixo aceitar. Fico pensando o quanto deviam jogar bem Oreco, Mengálvio e Tesourinha para virarem ídolos do Corinthians, Santos e Vasco da Gama, além, é claro, da Seleção.

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    1. Chinesinho, Dorval, Noronha o ídolo de dois clubes (Grêmio e São Paulo), ...

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    2. Bem lembrado, Arih. Noronha esteve na Copa de 50. Outro que deveria ser titular.

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  8. Aos amigos santa-marienses e da região; o mais tradicional jornal da cidade, que, inclusive usei como fonte neste crônica, A Razão, encerra suas atividades hoje.
    Uma pena. Foi fundado em 1934.

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