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sábado, 26 de julho de 2014

Pequenas Histórias

Seguem mais três (re)postagens das Pequenas Histórias:



38 - A Capacidade de Se Indignar - Ano 1977
Grêmio e Ypiranga se encontraram à noite no Olímpico em 31 de Março de 1977. Era para ser um jogo comum. Foi um jogo comum. Vitória tricolor por 3 a 1. Porém, para duas pessoas aquele jogo se tornou especial: um adolescente de 17 para 18 anos e também para o quarto-zagueiro, camisa 3, Oberdan. 
Antes de tudo, um pouco desse defensor nascido em Santa Catarina, mas que fez carreira no Santos de Pelé e Mauro Ramos de Oliveira, seu mestre e no Coritiba. Era um zagueiro firme com 1,78 m, grande impulsão e de muita imposição física. 
Em 1976 resolveu pendurar as chuteiras, mas convencido por Telê Santana, um mago que gostava de trabalhar com jogadores escolhidos a dedo, veio formar a zaga gremista ao lado de Eurico, Anchetta e Ladinho. Tinha uma missão; interromper a série de títulos do Coirmão.
 Chegou, assumindo a tarefa e dizendo aos quatro ventos que haviam terminado os gols salvadores de Escurinho, um emérito cabeceador. Uma declaração forte que até os mais fanáticos torcedores do Imortal duvidaram de sua realização. Oberdan (foto acima) cumpriu a promessa e em 1978, o atacante colorado mudou-se para o time de Parque Antárctica da capital de São Paulo. 
Dito isso, vamos ao "memorável" Grêmio e Ypiranga de Erechim. O time do interior há dois anos vinha complicando nos confrontos, impondo dificuldades ao clube do Olímpico e estava mordido pela derrota em casa para o Riograndense de Santa Maria. 
Com pouco mais de 10.000 pagantes e arbitragem de Luiz Guaragna, o Tricolor fez um primeiro tempo morno, sem brilho, onde apenas o ponteiro direito Zequinha se destacava. E foi dele o primeiro gol; aos 16 minutos, Zequinha recebeu passe de Tadeu Ricci, avançou, quando a zaga esperava o seu ingresso área adentro, ele fuzilou e venceu o arqueiro Dilon. 
Aos 26 minutos aconteceu a jogada que mexeu com os brios de Oberdan; o meio-campista Clóvis fez um lançamento longo, aparado de cabeça por Eurico, que encostou para Oberdan; este também de cabeça atrasou fraco para Remi, no entanto, mesmo acossado pelo atacante Lambari, Oberdan tomou a frente da jogada e deu mais um toque; toque esse, infeliz, que tirou o seu arqueiro da jogada e deixou a pelota livre quase em cima da risca fatal para o número 9, Lambari, encostar para as redes, empatando a partida. Resultado definitivo do primeiro tempo. 
Oberdan se indignou; sentimento esse que acompanhou toda a sua trajetória vitoriosa nos gramados e voltou para a etapa final possesso, louco para se redimir. Telê deu uma chacoalhada no time e os gols vieram dos pés e da cabeça de quem? Justamente dele: Oberdan. O primeiro, logo aos 4 minutos, novamente pela condução do maestro Tadeu Ricci. Livrou-se de Mujica e tocou para Oberdan que entrava pela meia esquerda de onde bateu forte, sem chances de defesa. Em seguida, aos 15 minutos, Eurico cobrou lateral para Zequinha que encobriu o goleiro adversário, deixando o zagueiro-artilheiro pronto para empurrar de cabeça, fechando o placar. 
Quase ao final, aos 38 minutos, Oberdan causou apreensão a todos, quando estatelou no gramado e pediu para ser substituído. Apesar da cena, nada grave se verificou, apenas câimbras de quem se doou como nunca na busca de uma compensação pela falha grosseira do primeiro tempo. Raça e indignação.
 O Grêmio formou com Remi; Eurico, Anchetta, Oberdan e Ladinho; Vitor Hugo, Tadeu e Yúra; Zequinha, Tarciso e Éder. Vilson Cereja foi o substituto de Oberdan. Esse,  juntamente com Zequinha, os grandes personagens da partida. O Ypiranga mandou a campo; Dilon; Joubert, Mujica, Jorge e Cito; Clóvis, Éderson e Paulo Roberto; João Carlos, Lambari e Fernando Rabelo (Taborda). João Alberto, grande centro-avante do Barroso-São José, agora treinador do time de Erechim.
 Oberdan durante sua passagem pelo Imortal, deu inúmeras provas de sua inconformidade diante dos obstáculos; sua busca incessante pela vitória contagiava o time. Vários jogos foram virados a partir de seu exemplo. Este, aparentemente comum, para mim, talvez tenha sido a maior prova de sua obstinação pelo alcance do sucesso.

39 - A Outra Façanha de Telê Santana - Ano 1977/78
Quando pensei em fazer crônicas sobre o nosso clube, a ideia era pegar histórias periféricas ou subterrâneas como norma, mas nada ortodoxo; preferência para elas, uma ou outra mais conhecida. As famosas "raspas e restos, me interessam" como cantou o Barão Vermelho anos atrás. Esta é uma das histórias subterrâneas. 
O nome de Telê veio à baila na postagem anterior sobre Oberdan e suscitou comentários, aí lembrei de uma grande façanha de Telê à frente do Imortal, que foi eclipsada (justamente eclipsada) pela inesquecível conquista de 1977, quando quebrou um jejum de 8 longuíssimos anos, as derrotas para o Coirmão.
 A lembrança vale não apenas pelo título, mas pelo time harmonioso que jogava um futebol altamente técnico e fundamentalmente aguerrido, personificados em Oberdan, Tadeu Ricci, André e Éder que dançavam conforme a música. Tinham ferramentas para todo tipo de obra. 
Para mim, Telê é o cara; sei de Foguinho, Espinosa, Luiz Felipe e outros, mas, ainda que tenha ganho apenas o Gauchão daquele ano, Telê é incomparável. Depois de conquistar o primeiro brasileirão, o de 1971, experimentou anos de escassez de título; depois dessa campanha no comando do Galo mineiro onde ficou até 1975, não ganhou mais nada.
 No ano seguinte teve uma rápida e infeliz passagem pelo Botafogo e em Setembro desembarcou em Porto Alegre. Foram 6 temporadas sem títulos. 
Os primeiros meses dele dirigindo o Grêmio foram constrangedores, mas a sabedoria dos dirigentes Hélio Dourado e Fábio Koff foi essencial para a conquista do ano seguinte. Bom, todos sabem demais da grande conquista; até mereceu um "Pequenas Histórias", no entanto, Telê tem outra marca fantástica conduzindo o Tricolor em pouco mais de dois anos. Ele possui a maior sequência de vitórias, ou seja, em 6 Grenais consecutivos saiu vencedor.
 Em 104 anos de disputa, apenas em 4 oportunidades isso ocorreu. Todas realizadas pelo Imortal. Apesar dos anos dos dois Rolos Compressores, do timaço da década de 70; o Internacional jamais chegou a esta marca. 
A primeira sequência do Grêmio ocorreu nas 6 primeiras edições do clássico, feito importante, mas num período de amadorismo completo (1909 a 1913), onde sequer havia redes nas goleiras e o técnico do Tricolor, por exemplo, foi a dupla de atletas, Schuback e Mohrdieck, não foi diferente na segunda, onde o craque Lagarto era dublê de jogador e técnico, isso entre 1919 e 1924; a terceira sequência havia Telêmaco Frazão de Lima que foi atleta, técnico e presidente do Grêmio, em épocas distintas, que chegou às 6 vitórias também, mais exatamente entre 1931 e 1933. 
Telê iniciou a série no famoso clássico dos 14 segundos, tempo referente a saída de bola e o gol de Yúra que terminou 2 a 1; o segundo, 2 a 0, Tadeu, de falta e Tarciso, estádio Beira-Rio; o terceiro é a decisão do campeonato, 1 a 0, tento de André; prosseguindo, chegamos a memorável goleada de 4 a 0, maior placar registrado no estádio do Coirmão; a quinta é uma virada fantástica, quando até o final o Tricolor perdia e virou para 3 a 2, novamente no Pinheiro Borda; o encerramento ocorreu no 20 de Agosto de 1978, 2 a 1 no estádio Olímpico e o Grêmio formou com Corbo; Vilson, Cassiá, Vicente e Ladinho; Vitor Hugo, Yúra e Renato Sá; Tarciso, André Catimba e Éder (Jurandir). O Inter de Gasperin; Bereta, Paulo Marcos (Jorge Tabajara), André e João Carlos; Caçapava, Falcão e Jair; Valdomiro, Bill e Anchieta (Tonho). Os gols foram de Anchieta, André e Éder. Nos últimos 80 anos (1933 a 2013) apenas Telê conseguiu este prodígio. 
Poucos lembram desta outra façanha do Mestre dirigindo o Imortal.

40 -  Rito de Passagem- Ano 1971 a 1980

Os antropólogos e escritores europeus adotaram o termo francês "Rites de Passage" para definir momentos de mudanças importantes na vida das pessoas de uma fase para outra. Com o tempo essa expressão passou a ser usada informalmente para associações de pessoas, ou seja, no coletivo, sempre representando essas mudanças.
 Feito essa pequena introdução, chegamos ao nome de Anchetta, um dos maiores zagueiros da história do Tricolor.  Engraçado! Meus maiores ídolos daquele período começavam com a letra "A"; Áureo, Alcindo, Alberto e à partir de Novembro de 1971, Atílio Anchetta. Esse uruguaio chegou do Nacional de Montevidéu consagrado como o melhor beque da Copa do Mundo de 1970, que disputou aos 22 anos. Sua estreia no Imortal foi no Pacaembu diante do Corinthians e o placar indicou um empate de 1 a 1, gols de Rivellino aos 34 minutos do primeiro tempo e Loivo aos 10 da etapa final; ambos de cabeça, aliás, um dos raros de Rivellino desse jeito, ele, oriundo do futebol de salão.
 Eu tinha então, 12 anos e saía da infância para a adolescência, período considerado como um rito de passagem. Anchetta se tornou capitão do time e quem jogou a seu lado se consagrou: Beto Bacamarte ganhou a Bola de Prata de 1972, Beto Fuscão chegou até a Seleção Brasileira em 1975/76, mas foi com Oberdan no antológico time de 1977 que formou a melhor dupla; repetiu a performance de 1973, quando ganhou a Bola de Ouro como melhor jogador do Brasileiro daquele ano. Anchetta foi o atleta que melhor personificou o sofrimento daqueles anos difíceis, anos de superioridade vermelha no estado.
 Era um gremista- jogador; isso desde a estreia, quando acabou com a cabeça enfaixada, resistindo bravamente a dor. Anchetta não jogou a partida decisiva de 1977, pois teve que operar o menisco naquela semana. 
Ano seguinte com o mesmo elenco e mesma comissão técnica o Grêmio perdeu o regional e novamente pairou a dúvida: 1977 fora uma exceção? Estávamos nós gremistas vivendo uma efêmera alegria? Veio o ano de 79 e ganhamos com folga: barba, cabelo e bigode. Tivemos mais de 10 pontos de vantagem sobre o Coirmão, os Grenais não tinham graça e na partida final contra o Brasil de Pelotas, Anchetta de cabeça, abriu a caminhada do título que foi concluída por André e Éder. 3 a 0.
 O ano de 1980 marcou os meus 21 anos, um novo rito de passagem e também, o último de Anchetta no Grêmio (apesar de poderosos veículos de comunicação do estado insistirem em dizer que ele jogou até 1979). Anchetta já era brasileiro naturalizado e jogou até o final do Brasileiro daquele 1980, disputado no primeiro semestre. Sua última partida foi diante do Coritiba no Olímpico em 18 de Maio, 1 a 0, gol dele, gol de cabeça ( na foto está comemorando com Baltazar) aos 33 minutos do primeiro tempo. "Tarciso cobrou falta pela direita, colocando a bola na área. O goleiro Moreira saiu do gol, tocou na bola, mas não segurou. Ancheta pulou mais que a zaga e cabeceou no meio da goleira." Assim escreveu a Zero Hora.
 Seus últimos companheiros de jornada foram Ivo; Mauro, Vantuir e Dirceu; Vitor Hugo, Paulo Isidoro e Kiese (Yúra); Tarciso, Baltazar e Jurandir (Zé Henrique). Já sem Anchetta que foi para o Millonarios de Bogotá, o Tricolor conquistou o Gauchão de 80 no segundo semestre no Beira-Rio, exorcizando de vez o fantasma dos anos anteriores, entrando noutra fase, numa espécie de rito de passagem.
 Naquela virada de ano, outro uruguaio desembarcava no Salgado Filho, prometendo títulos. 1981 deu início a uma nova e vitoriosa Era para o Grêmio; também aquele ano me reservou algumas mudanças fundamentais; minha primeira formatura e meses antes, a morte de meu pai. 
Hoje, Anchetta está imortalizado na Calçada da Fama de nosso clube, mas para mim, isso já estava solidificado na minha vida, pois dos 12 aos 21 anos foi meu principal ídolo do Tricolor. 
Talvez seja o maior símbolo da passagem dos anos de derrotas para os maiores e melhores anos do Imortal. Anchetta, sem dúvida, ajudou a cruzar essa ponte.

2 comentários:

  1. Glaucio Missioneiro26/07/2014, 19:24

    Cara, de onde sai tanta informação?

    Tens algum livro publicado?

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  2. A internet me deu uma surra, ficando horas fora do ar.
    Muita leitura, ouvir os mais velhos e uma boa memória; esta é a receita.
    Tenho 3 livros, mas não são sobre futebol.

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