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sábado, 16 de dezembro de 2017

Ficção

A Lenda

Quinta-feira, 14 de Dezembro, 17 h e 03 min, saí de meu serviço há pouco. Percorro a Travessa Leopoldo Fróes, contorno a Concha Acústica;  entro no Vale do Itaimbé, um lugar lindo, porém, mal cuidado.

 Ele é  repleto de árvores, vários bancos, num deles percebo “cheiros peculiares ao redor” como já cantara o poeta; noutros, vários casais de namorados; um bom movimento de bicicletas nas pistas; pedestres a passos apressados fazem caminhadas; vou em direção à minha casa, um trajeto de apenas 8 minutos a pé.

Num dos bancos, talvez o  último, próximo do alcance a uma das ruas laterais do parque, vejo um menino dos seus 12, 13 anos, sentado. Segura um boné junto aos joelhos. Quando o ultrapasso, ainda estou na sua mira. Ele fala alto: - “Seu” Bruxo. Antes de uma provocação, é apenas um chamado, porque noto um sorriso. Achei estranho, pois só sou “Bruxo” aqui no blog.

Aceno para ele que me devolve o gesto, indicando que me aproxime: - E aí, como vai? pergunto.- Tudo bem, eu reconheci o senhor, afirma.
- Mesmo? De onde? - Prossegui.
- Do blog. Queria muito lhe conhecer pessoalmente.
- Legal. (Um ar de surpresa).

A minha curiosidade me incentivou a ampliar o bate-papo. Descubro que se chama João e afirma em sua imaginação criativa que veio do futuro. Por dentro, rio desta última frase. O garoto me atualiza, informa que o Imortal viveu grande fase entre os anos 10 e 20 do Século XXI.

 É gremista e diz conhecer quase tudo sobre o maior ídolo daquele período: Pedro Geromel. Para presenciar a época em que ele comandava a defesa Tricolor, navegou nessa aventura, desembarcando em 2017.

Interrompo e digo: - Geromito, Geromonstro; ele rebate; o nome que entrou para a história é Gêniomel.

Começo a gostar do menino. Decido incentivar a brincadeira. – Gêniomel, então? Conte-me mais. O que consta dele no seu “arquivo implacável” aí? Acenei com a cabeça para um envelope que lhe fazia companhia.

João se alegra e dispara: É o maior zagueiro tricolor de todos os tempos, uma lenda do tamanho de Eurico Lara, Gessy Lima e Renato Portaluppi. Jogou a Copa da Rússia, ele revela. – O Kannemann também participou do torneio mundial. – Essa é boa, que imaginação! Caçoo mentalmente.

 Aos poucos, o piá desfila a biografia do mito: Sua estreia diante do Novo Hamburgo, segue com a segunda apresentação; as suspeitas que o gol contra atrapalhado, em Ijuí, aos 43 minutos do segundo tempo que retirou a vitória do time, encetou nos torcedores azuis.

Falou mais: As eleições de melhor zagueiro do Brasil várias vezes por diversos órgãos esportivos, o título da Copa do Brasil, depois, o ano iluminado de 2017.

 O relato chega ao título da Libertadores. Neste instante, ele imita o movimento de Geromel, ergue os braços que seguram uma taça invisível, tal qual o gesto do camisa 3 Tricolor em La Fortaleza, reduto do Lanús.

O garoto é só entusiasmo, porém, eu o interrompo, dizendo que o meu pai igualmente se chamava João e era muito gremista como ele.

O menino sorriu: - Minha mãe me deu o nome do meu bisavô a pedido do pai dela, meu avô, lógico! Respondeu meio sem jeito.

Ele levantou, diz que precisa voltar ao futuro (De Volta para o Futuro, quantas vezes vi esse filme, penso). Um aparelho minúsculo no seu braço, menor que um relógio de pulso emite um bip, bip incomodativo para ele e estranho para mim.

- Minha mãe é muito possessiva, reclamou indignado, já se pondo de pé. -Tenho que regressar; ainda mais que a energia concentrada para viajar no tempo é de pequena duração. Num muxoxo, se queixa, apontando para outro aparelho que eu imaginava ser um anel apenas, mas que naquele momento piscava intermitentemente, indicando um “Alerta”.

Como ela (a mãe) se chama? - Indago. Ao ouvir sua resposta, espanto-me com nova coincidência: - Engraçado! Tenho uma filha que também se chama Clara. Fez 15 anos em Setembro. Encabulado pela minha “lerdeza mental”, ele abaixou a cabeça e quase me fulminou com um olhar de decepção.

Quando caiu a ficha para mim, o menino já sumia, entrando em um dos muitos túneis daquele vale, envolvido por uma bruma surpreendente para aquela estação do ano.

Com o coração acelerado, desconfiei que tudo aquilo “era de verdade” realmente.

Emocionado, corri em sua direção. Agora, o jovem era apenas uma  imagem pálida que ia perdendo a forma. Quando quase desaparecia por completo, gritei: Me conta,  a gente ganhou do Real?

Uma voz quase inaudível, que ia diminuindo progressivamente, sugeriu: - Veja sobre o banco.
Girei a cabeça e avistei o envelope.

Atordoado, fui abrindo. Ele guardava um almanaque do Grêmio. A capa ilustrada pelo distintivo do clube recebia o seguinte título: Todos os jogos do Imortal Tricolor. Em letras menores, anunciava: “Atualizado”, seguido pelo ano da edição; 2045.

Tenso, sentei e comecei a folheá-lo até chegar aos dados de 2017: Março, Maio, Setembro, Novembro ...

4 comentários:

  1. Parabéns, Bruxo! Lindo texto!

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  2. Obrigado, Luis!
    Pena que não levantamos o caneco. Vida que segue.

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  3. Marcelo Flavio16/12/2017, 18:03

    Que baita texto Bruxo.
    Parabéns.

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  4. Grande Marcelo Flavio
    Obrigado, ainda mais o agradecimento vindo de um "cara" de muita sensibilidade.

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