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domingo, 14 de janeiro de 2024

Pequenas Histórias

Pequenas Histórias (300) - Ano - 1977

1977 - Os Alquimistas estão Chegando

Fonte: J B Scalco - Revista Placar

Semana que vem inicia o campeonato gaúcho de 2024 e me vem à mente, o mais relevante em minha memória afetiva: o de 1977, que quebrou o ciclo vitorioso do Coirmão. Não foi mero acidente, mas um conjunto de acertos como raras vezes vi. Sem dinheiro, o Tricolor (aí, todos os níveis da instituição) ganhou de forma incontestável, aplicando goleadas, "chocolates", sempre aliando técnica, tática e têmpera de campeão. Uma alquimia para estudo e modelo a ser seguido.

Começou com a vinda de Telê Santana na metade do segundo semestre de 76, que logo percebeu que aquele "cano de time" precisava ser revisto a partir do que o grande arqueiro Agustín Mário Cejas detectou. Em sua saída do clube no final daquele ano, sentenciou: "Uma partida ganham os jogadores, um campeonato ganham os homens". O argentino que atuou ao lado de Pelé, mais uma vez, tinha razão.

Aí começou a reformulação do elenco. Numa época onde inexistia internet, olheiros contratados por todo o país e Centros de Excelência de Dados, o mago Telê Santana liderou a montagem daquele grupo vencedor. Primeiro, ele olhou para dentro do clube e manteve Eurico, Ancheta, Iúra e Tarciso. Aproveitou Vitor Hugo, um volante que veio no segundo semestre do ano anterior, que tinha o canudo de Jornalista. Depois, repassou sugestões certeiras para a Direção viabilizar o time.

Vieram Walter Corbo, goleiro uruguaio que estava entre os 22 selecionados para a Copa do Mundo de 70. Trouxe Oberdan, um zagueiro viril e irresignado, cuja liderança ombreava com Carlos Alberto Torres, Gilmar, Zito e Pelé nos anos 60 no clube da Vila Belmiro. No Coritiba, então, nem se fala. Ele era o cara. Tinha tanta autoridade que indicou o discreto e eficiente lateral Ladinho (do rival Atlético Paranaense) para o técnico gremista, dica aceita na hora. Isso, com poucos dias de Grêmio.

Estava fechada a zaga titular. Telê passou a montagem do meio e do ataque. Pegou Iúra, um menino criado na base, que todo começo de temporada, lustrava o banco de reservas todo final,  ele virava titular. Era múltiplo, começou nos profissionais como ponta direita e rodou por todas as posições do meio de campo para frente. Telê o fixou como meia esquerda. Outro ponto positivo para o treinador.

Tarciso, há anos, um centro avante incompleto e irregular, Telê o puxou para a ponta direita, posição que o mineiro relutou, pois faria concorrência com seu amigo, também mineiro o consagrado Zequinha. Assim, o Flecha Negra chegou à Seleção.

Faltavam três posições cruciais: alguém para o lugar de Neca, revelado por Ênio Andrade e jogador de Seleção Brasileira, outro para a ponta esquerda, verdadeira parada torta, pois a 11 era de Ortiz, simplesmente o ponta da Seleção Argentina (e futuro campeão mundial em 78) e a mais emblemática de todas: o centro avante. 

Não poderia haver vacilo: novamente, a sabedoria do comandante, primeiro campeão brasileiro na era moderna (1971 com o Atlético) emergiu. Ele recrutou uma lenda gremista, Alcindo, não satisfeito, mandou vir do Guarani, o centro avante André. Um camisa 9 espetacular e com muito custo, na verdade, um investimento altíssimo, Telê indicou o menino Éder, 19 anos, genioso e genial para finalizar a escalação do time, o novo camisa 11.

Faltou alguém? Sim, o mais completo jogador, o craque do time, o representante do comandante técnico dentro das quatro linhas, o líder silencioso do elenco, o gestor do grupo e acima de tudo, um ídolo para a torcida e uma referência ética na lida com a imprensa gaúcha: Tadeu. No Tricolor, ele viu o sobrenome acrescentado (Ricci), porque já existia outro Tadeu, o beque (Tadeu Vieira).

Tadeu (foto acima), o jogador que mais me passou o significado do conceito "Cerebral". Advogado de formação, ele a exemplo de Oberdan, indicou o seu ex-colega de time (América RJ), o também advogado, lateral Paulo César Martins para moldar o perfil forte do elenco.

Além desses, Telê apostou em Vilson Cereja para as laterais e zaga, trouxe a raça gaúcha na figura do zagueiro Cassiá, deu chances aos jovens da base como (Jorge) Leandro, o ponta Gino e Renato Lima (Tia Joana). Manteve outro juvenil, Luiz Carlos, um meia canhoto clássico e Zequinha, que junto com Alcindo, ambos deram alternativas ótimas para o ataque com experiência e biografia de Seleção Brasileira.

Verdade que o Mestre arriscou, apostando em dois goleiros da base como alternativa nas ausências de Corbo: Alexandre e Remi. 

Esse grupo talentoso, não era apenas de craques no trato com a bola, mas de elevada compreensão tática e senso coletivo. Ele encontrou em Telê, o grande profissional que soube ouvir e ser ouvido, isso resultando num elenco participativo, entrosado e comprometido.

Havia um líder na casamata, mas dentro dos gramados, existiam muitas cabeças pensantes que criaram aquele que foi o time dos sonhos de minha geração adolescente nos anos 70.

Fonte: Arquivo pessoal do amigo Alvirubro


 






3 comentários:

  1. Grande texto, Bruxo!

    Telê fez parte da galeria dos melhores técnicos da história tricolor.
    Montou times exuberantes e os números dele comprovam.
    Apenas 13,7% de derrotas em 175 jogos. Pouco gols sofridos (0,66%).
    Como mandante 83 jogos e 6 derrotas (7,2%).
    Uma sumidade.

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  2. Verdade, Alvirubro. No Grêmio faltou o título além do Rio Grande.

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    1. De fato!
      Porém, comandou o Tricolor gaúcho no tempo em que havia poucas competições em disputa. Desconfio que poderia ter ganho outros títulos, caso houvesse mais competições a disputar.
      As competições em grande número a cada temporada passaram a fazer parte do calendário brasileiro de futebol a partir dos anos 90. E foi aí que apareceu mais a qualidade do técnico Telê Santana.

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