Chegamos a centésima quinquagésima crônica denominada Pequenas Histórias, por ser especial para mim, retomo o tema que originou a primeira.
Pequenas Histórias (150) - Ano - 1971
O Centauro dos Pampas
de Papel
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Fonte: Correio do Povo |
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Fonte: Correio do Povo |
“...Estou
me convencendo que a análise de Carlos Chamaco Rodriguez não pode ser feita
segundo os padrões comuns... O homem não é apenas um jogador de futebol. Faltaria à análise
alguma coisa essencial a Chamaco Rodriguez: o homem, a personalidade, o mito
que se vai formando aos poucos... Não existe a menor dúvida: estamos assistindo
a cada dia à construção de um mito... Já li que o Internacional deveria ter
alguém para contrabalançá-lo, um líder fogoso, múltiplo, mitológico, também...
Um dia destes algum tradicionalista não se contém e o identifica com o centauro
dos pampas. E aí se completa a imagem.” (Conservei a grafia
original dos fragmentos selecionados).
São extratos da coluna
de Ruy Carlos Ostermann no Correio do Povo de 08 de Junho de 1971 sobre a
figura “mitológica” que ele viu em Chamaco Rodriguez. O tempo se encarregou de
mostrar que fora um exagero. Que bom que os grandes jornalistas, também não são
infalíveis. A gente fica mais tranquilo na esgrima com palavras e pensamentos.
Chamaco era maior na pena do jornalista do que
dentro das quatro linhas.
Dois dias antes, 06,
aqui em Santa Maria no Grenal do Interior, Carlos Manuel Rodriguez, o Chamaco,
faria o gol mais bonito que presenciei ao vivo (vide Pequenas Histórias 01) na
minha vida.
Era um piá de 12 anos
vivendo a expectativa do singelo clássico. Choveu no Sábado, havia riscos de
transferência da partida, mas no Domingo, logo no início da tarde, eu, meu
irmão e nosso pai descemos a Niederauer até o estádio do Coloradinho. Para quem
conhece esta rua, sabe que a pé, é uma grande “puxada” o trajeto do centro até a atual
Avenida Liberdade, onde fica o Presidente Vargas (Baixada Melancólica). O barro
e o frio, duas companhias constantes em
nossa caminhada.
O estádio estava lotado,
o público espremido e “encapotado” diante do rigor daquele Junho (vide foto à direita com Beto cabeceando e a arquibancada lotada ao fundo);
nós ficamos atrás da goleira à esquerda das arquibancadas contrárias ao
pavilhão.
Oto Glória sem contar
com o tricampeão Everaldo mais o ponta esquerda Loivo, mandou à campo: Jair, Chiquinho, Rostain,
Beto Bacamarte e Cláudio Radar; Chamaco Rodriguez, Torino e Gaspar; Flecha,
Scotta e Carlos.
O Inter SM treinado por
Itamar Sampaio utilizou: Valdir; Tadeu, Santo, Donga e Carlinhos; Paulinho e
Caio Flávio; Juarez (Leopoldo), Plein, Maneco e Maurinho.
A primeira etapa foi
frustrante para os torcedores gremistas que viram seu time atuar recuado,
confuso em todos os setores, sendo envolvido pelos locatários. O 0 x 0 que
perdurou nos primeiros 45 minutos foi um prêmio para o Tricolor.
O lendário treinador
gremista que dera o 3º lugar a Portugal na Copa de 66, ajeitou o time durante a
etapa final; fez entrar um lateral direito de ofício, Valdir Espinosa, retirou
Rostain que falhara no gol do Interzinho, passando Chiquinho Pastor para o seu
verdadeiro lugar, a zaga central. Caio Cabeça entrou no lugar do ex-juvenil
Carlos, um centroavante que jogou deslocado e Torino fez o lado esquerdo
ofensivo. O meio virou um quarteto fantástico: Chamaco, Caio, Gaspar e Torino.
Nenhum quebrador de bola.
Aos 11 minutos, Flecha
foi ao fundo, cruzou forte e Néstor Leonel Scotta acertou poderosa cabeçada que fulminou o arco vermelho. 1 a 0.
Maneco empatou aos 18
minutos, quando se aproveitou de um recuo mal feito pela defesa azul; com um
toque leve, tirou Jair da jogada. 1 a 1.
Voltava a esquentar o confronto.
Aos 27 minutos, Gaspar
e Caio, os “amigos da bola” como eram chamados, trocaram passes e Scotta foi
servido à frente da área, o argentino acertou um poderoso petardo no ângulo
superior de Valdir Garcia. 2 a 1.
Aos 37 minutos veio o
momento supremo da partida, um lance inesquecível para quem presenciou, “um gol
que se repete de 50 em 50 anos” bradou o narrador Milton Jung da Rádio Guaíba.
Scotta e Chamaco
tabelaram, a bola chegou à direita, veio o cruzamento à meia altura até a marca
do pênalti, Chamaco se passa. Acrobaticamente, estica a perna esquerda e de calcanhar,
acerta a bola que viaja sobre o seu corpo, encobre o goleiro colorado e rente
ao travessão, penetra no meio do gol. Um gol de “chilena”, uma bicicleta às
avessas. Um golaço.(Na foto à esquerda, ele comemora o feito juntamente com Scotta e Flecha).
José Cavalheiro de
Moraes controlou o apito que teve renda de Cr$ 19.990,00.
Se algum dia, eu
pudesse entrar no túnel do tempo, um dos momentos escolhidos, certamente, seria
esse. Encarar o barro, o frio, a longa caminhada, mas, tendo a certeza de
encontrar lá na frente, um arco-íris nostálgico e avistar o Centauro dos Pampas,
ainda que ele fosse mais de tinta e
papel, obra da imaginação e do privilegiado texto do príncipe da crônica esportiva
riograndense, o mestre Ruy Carlos Ostermann.
Fonte: Jornal Correio do Povo
Jornal A Razão