Pequenas Histórias (229) - Ano - 1974
Uma Tarde Melancólica na Baixada
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Fonte: Correio do Povo |
Presencio a violência no futebol atual; porém, ele é fora dos estádios, como exceção ocorre dentro dos estádios, pois medidas radicais foram tomadas e os próprios torcedores zelam pela ordem, por índole ou por proteção aos seus clubes de coração, que no final pagarão o pato, se os arruaceiros não forem identificados. É um avanço social, sem dúvida.
No entanto, há quase 50 anos, o bicho pegava nos "acanhados" estádios de futebol do interior gaúcho, onde me criei. Nomes históricos eram confundidos com campos de batalhas, coliseus farroupilhas como Pedra Moura e Estrela D'Alva, ambos em Bagé, Wolmar Salton do Gaúcho de Passo Fundo, Montanha em Bento Gonçalves, Baixada Rubra (atual Centenário) em Caxias e também outra Baixada, a Melancólica, isto é, o Presidente Vargas de Santa Maria.
Presenciei das arquibancadas de madeira das gerais desta Baixada, torcedores subindo na tela, esticando o braço e mirando certeiramente com um saco de urina (mijo) cabeças dos bandeirinhas, sem que nada fosse feito. Aliás, para a Brigada Militar intervir era preciso algo relevante como a pedrada que vi deste mesmo lugar na cabeça de um bandeirinha, certa vez. O sangue jorrou do corpo estendido no gramado, para vibração da massa. Nestes casos, a partida era interrompida.
Outro avanço destes tempos que vivemos; presença de mulheres. No interior à época, o homem que levava uma mulher e passasse (geralmente no "corredor, abaixo do último degrau do poleiro que chamávamos de arquibancada), tinha que baixar a cabeça, apressar o passo e aguentar o coro de piranha (versão mais leve) e puta (versão mais próxima da realidade destes fatos) dirigido à sua acompanhante. Hard Times!
Resumindo: Uma aula de selvageria sem distinção de classe social.
Pois em 1974, um Domingo, eu, meu pai e muitos torcedores fomos alvos desta violência.
Chegamos cedo ao estádio como era recomendado pelo bom senso. Logo avistei o meu professor de educação física, igualmente, árbitro de futebol, apitando a preliminar. Estávamos na goleira que fica para a Niederauer, isto é, a da entrada principal (avenida Liberdade), esta da foto acima.
Eu tinha 15 anos, meu ia para os seus 64 (imaginem um sexagenário há quase meio século passado) e ficamos colados à tela, quase atrás da goleira, quando aquela fila de torcedores prensados começou a ser alvo de cascas de bergamotas. Lembro que eu estava com uma jaqueta Lee (uma preciosidade para a época) que um primo não gostou e me repassou a relíquia que eu usava sempre que podia; ela me serviu de escudo, quando a puxei, encobrindo minha cabeça. Por sorte, meu pai levara um "gorro", naquele gelado inverno gaudério.
Tentamos assistir o Grêmio que encarava o Inter-SM pelo Gauchão. Foi complicado.
Complicado também foi o primeiro tempo, o placar ficou em 0 a 0 num péssimo futebol gremista e um leve predomínio dos locatários.
No intervalo, eu olhava para o meu pai, pensando em pedir para ir embora, mas com pena de frustrar o velho de ver o seu time do coração. Soube em seguida, que ele olhava para o guri e ficava com receio de sugerir a debandada; ouvir a partida no caminho de volta para casa.
Uma hora, os pensamentos se encontraram e decidimos ir à pé, ouvindo a Guaíba, perdendo assim, toda a etapa final.
Quem não perdeu foi o Tricolor, pois voltara bem melhor e arrasador para os 45 minutos derradeiros, muito pela troca que Sérgio Moacir fizera: Saiu Luiz Freire, entrou Luiz Carlos Guterrez, um ponta de lança por uma meia esquerda clássico. Funcionou.
Logo aos 6 minutos, o primeiro gol gremista, originado pela cobrança de falta que Loivo sofrera de Tadeu Menezes; o lateral esquerdo Jorge Tabajara desferiu um míssil e Nadir saltou atrasado. 1 a 0.
Aos 11, nova falta, desta vez, Torino rolou para Loivo, que desferiu mais um petardo que resvalou na barreira e enganou o arqueiro colorado. 2 a 0.
Aos 36 minutos, Everaldo atuando como lateral direito, centrou, a pelota sobrou para Luiz Carlos que fez o tento mais bonito da tarde num chute de fora da área. 3 a 0.
O gol de "honra" veio nos acréscimos, quando Picasso soqueou um cruzamento, porém, a bola se ofereceu fora da área para o lateral Tadeu; ele bateu no alto, encobrindo o goleiro gremista e dois defensores que estavam sobre a linha fatal do arco. 3 a 1.
O Grêmio utilizou; Picasso; Everaldo, Beto Bacamarte, Beto Fuscão e Jorge Tabajara; Torino, Yúra e Luiz Freire (Luiz Carlos); Zequinha, Tarciso e Loivo.
André Heinz usou: Nadir; Tadeu, Adilson, Donga e Domingos; Paulinho, Valdo e Plein; Edson (Rudinei), Silvio e Marcos Cavaquinho (Sadi Escurinho).
A arbitragem foi de Agomar Martins com público excepcional que proporcionou até aquela rodada, a melhor renda do Gauchão.
Fontes: Jornal A Razão
Jornal Correio do Povo