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32 - A Dor de Everaldo - Ano 1972
Quem já não sofreu com a injustiça? Quem não foi solidário com alguém que sofreu uma grande injustiça? Quase todos nós. Solidarizamo-nos com Everaldo.
1972 foi um ano marcante na vida do nosso melhor lateral esquerdo de todos os tempos: Everaldo Marques da Silva. Ele talvez seja o maior personagem shakespereano que envergou a jaqueta tricolor. Viveu a maioria dos sentimentos experimentados pelas criaturas imaginadas pelo bardo inglês. Alcançou a glória e o sucesso no heptacampeonato gaúcho, o tri mundial em 1970, naquele que é o maior escrete que o Brasil produziu, ganhou a Bola de Prata da Placar no mesmo ano, na sua primeira edição, virou estrela na bandeira tricolor; após, foi vítima de traição, causada pelo treinador brasileiro na Minicopa de 72, deixando apenas dois titulares de fora da convocação; um porque parou de jogar, Pelé e o outro, provavelmente pela mágoa e recalque resultantes da interferência que sofreu na escalação do time no México; assim, Everaldo ficou de fora.
Tivemos até o jogo da desforra (vide Pequenas Histórias nº 18); teve drama também, na agressão ao juiz que é motivo desta crônica e finalmente, o fim trágico, bem ao estilo de Shakespeare, num acidente de carro que lhe tirou a vida dois anos após em 1974. Em Julho de 1972, Everaldo ganhou o cobiçado prêmio Belfort Duarte, dado aos jogadores que completam 10 anos de carreira sem expulsões. Ele era muito leal, inclusive no Grenal de inauguração do Beira-Rio foi juntamente com Dorinho e Alberto, os três que não brigaram. Porém, Everaldo não conseguiu superar a dor e a mágoa do injusto esquecimento da convocação e isso o abalou psicologicamente, atingindo o seu ápice no dia 18 de Outubro, uma quarta-feira, quando o Imortal, líder do Grupo A, enfrentou o líder do Grupo B, o Cruzeiro, no Brasileiro daquele ano, no Olímpico.
Decorriam 32 minutos da primeira etapa, quando o juiz Faville Neto apontou penalti (vejam o vídeo e o absurdo do erro); ao correr para a marca da cal, recebeu um soco no rosto que lembrou os melhores nocautes de George Foreman, desferido pelo nosso campeão mundial. Everaldo saiu lentamente do campo com lágrimas nos olhos. Ninguém que desconhecesse os últimos fatos envolvendo a vida de Everaldo, poderia compreender.
Quem conhecia, buscou as causas daquela atitude inédita. João Saldanha foi um deles e numa coluna intitulada "Força Everaldo", saiu em sua defesa, assim como Zózimo Barroso do Amaral.
Neste jogo o Grêmio de Daltro Menezes entrou em campo com Jair; Everaldo, Anchetta, Beto Bacamarte e Jorge Tabajara; Jadir e Ivo; Buião ( substituído pelo defensor Renato Cogo), Oberti, Lairton e Loivo. O Cruzeiro do técnico Hilton Chaves, até então o melhor time do certame com Hélio; Lauro, Darci Menezes, Fontana e Vanderlei; Piazza (Rinaldo) e Zé Carlos; Eduardo (substituído pelo zagueiro Misael), Roberto Batata, Palhinha e Lima. Curiosamente, os três tricampeões no México não terminaram a partida; Piazza, lesionou-se, Fontana e Everaldo, expulsos. Lima, de penalti e Oberti nos acréscimos do primeiro tempo (veja a foto) fizeram os gols.
Hoje, 40 anos passados, ainda a revolta não passou; muitos gaúchos deixaram de torcer para o Selecionado Brasileiro. Eu fiquei indiferente a ele. Nem Copa do Mundo me empolga mais.
33 - Badanha e o Afeto Materno - Ano 1943
"E agora a Inês é Morta", "A Casa da Mãe Joana", "Lá onde o Diabo perdeu as botas" são expressões universais que à partir da primeira explicação, nunca mais esquecemos o que cada uma delas quer dizer.
Há outra dessas que está ligada ao nosso imortal clube do coração: "Vai te queixar para a mãe do Badanha". Já a ouvi muito além das fronteiras do Rio Grande e pelo jeito, virou fenômeno global.
Onde isso começou? Em 1943, o Grêmio possuía um center-half, hoje volante ou centro-médio chamado Badanha; conforme pesquisei, jogou tão somente naquela temporada e sem brilho; um jogador comum. Verdade que a época não ajudava, a década de 40 foi quase toda vermelha e o Grêmio sofreu até para ser o segundo melhor time gaúcho. Badanha disputou 4 Grenais e nem é bom recordar; foram três goleadas sonoras ( 5 x 1, 5 x 1 e 3 x 0) com apenas um empate em 3 x 3, isto apenas entre Fevereiro e Julho daquele ano. Neste primeiro clássico, um dos 5 x 1, Badanha que havia jogado bem no prélio anterior contra o Cruzeiro, o Gre-Cruz, afundou fragorosamente a ponto de ser substituído no intervalo por De Leon, um uruguaio, vindo do Peñarol, que fez a sua estréia nesta fogueira. Surpreendeu positivamente. Com exceção do goleiro Rubem, Luiz Luz e Heitor, os demais foram muito mal.
Mas a vida prosseguiu após esta "saranda" e o Grêmio, de vez em quando, também metia suas goleadas. Uma delas, pelo chamado Campeonato de Futebol da Cidade, no dia 21 de Junho, campo do Renner que ficava na zona norte da capital. Aplicou 6 x 1 no Nacional; neste jogo, Badanha se destacou em dois eventos parecidos; fez um gol de pênalti, o sexto e cometeu um, originando o único tento do representante do ferroviários porto-alegrenses; Baiano converteu a penalidade máxima.
O Imortal treinado por Telêmaco Frazão de Lima formou com Júlio; Clarel e Valter; André, Badanha e Heitor; Medina, Ivo Aguiar, Vinícius, Mauro e Mário. O Nacional com Oto; Albrecht e Sório; José, Baiano e Castelhano; Antoninho, Rabassa, Mauro, Rato e Botinha. Os gols foram de Medina (2), Mário (2), Vinícius e Badanha, descontando Baiano. O juiz, Henrique Maya Faillace.
Há duas versões para a origem da frase que atravessa décadas. A primeira, possível, mas improvável diz que a mãe do Badanha era muito zelosa na assinatura dos contratos do seu filho. Era "dura na queda". Como escrevi, pouco provável, pois Badanha não era um craque e teve uma passagem curta para época num clube grande, portanto, com pouco poder de barganha. Um jogador obscuro, pois não localizei sequer uma foto sua com a jaqueta gremista. A segunda, mais real, gira em torno de uma queixa da mãe junto a um importante jornalista do período que criticara violentamente o desempenho dele numa sequência de jogos. Ela, insatisfeita, escreveu, pedindo compreensão e paciência para com seu filho numa demonstração de afeto. Seria como se nos dias de hoje, a mãe do Marcelo Grohe entrasse em contato com o Paulo Santana para "aliviar" um pouco suas críticas.
Na foto acima, sem a presença de Badanha, aparecem alguns jogadores que participaram do confronto de 21 de Junho. São eles: André, Vinícius, Clarel e o goleiro Júlio Petersen, respectivamente, primeiro, segundo, terceiro e quarto em pé; além de Ivo Aguiar e Mário, segundo e quinto agachados.
O Grêmio de tantas frases cunhadas por Lupicínio Rodrigues, Salim Nigri e outros, também se imortaliza por esta, criada pela sensibilidade e carinho de uma mãe protetora. A Mãe do Badanha.
34 - O Desembarque do Caudilho - Ano 1981
A chegada de Eduardo Vargas no Salgado Filho entusiasmou a torcida tricolor que foi em bom número recepcioná-lo. Aí busquei pela memória alguns desembarques de famosos em outras épocas. A que me deu mais esperança e que efetivamente se confirmou foi a de Hugo De Léon (foto acima, tirada por Armênio Abascal, capa de Zero Hora de 14/01/81).
Para se chegar aquele 13 de Janeiro de 1981, dia do desembarque, é preciso relembrar alguns fatos. Comecemos pois, pelo presidente Hélio Dourado. Um médico gremista ou gremista médico, ou melhor, nessa ordem, que juntamente com Fábio Koff formou a base do Grêmio vitorioso de sua segunda metade de existência. Dourado era arrojado, quando provocado, crescia mais ainda.
Em 1980, Olímpico completado, jejum de títulos quebrado, craques nacionais contratados (Leão, Nelinho, Paulo Cesar Lima, Tadeu Ricci,etc...) nos últimos anos, Dourado ousou mais uma vez e realizou a mais cara contratação da história tricolor; Carlos Kiese, camisa 10 da seleção paraguaia. Foram trinta milhões de cruzeiros, uma exorbitância para a época.
Dourado queria um título nacional. Kiese era tímido e sofreu com a distância e solidão no solo gaúcho. Foi um rotundo fracasso. Não conseguiu jogar o seu belo futebol. Os colorados riam e faziam brincadeiras; havia naquele mesmo período um jogador de meio-de-campo na seleção espanhola que se chamava Dani, como a pronúncia de Kiese era"kíssi", vinha a tal brincadeira: O Tricolor iria contratar o espanhol. Seria kíssi dani.
Dourado não se michava nunca e cometeu uma loucura maior ainda; liberou Kiese e em outubro de 1980, iniciava sigilosamente a compra de um jovem de muita personalidade, zagueiro do Nacional de Montevidéo, figura importantíssima na conquista da Libertadores, justamente em cima do Internacional e no final do ano, do torneio em comemoração ao cinquentenário do primeiro título mundial em 1930, ganho pelo Uruguai; desta forma, conquistou também o Mundialito de seleções. Já adquirido pelo Grêmio, De Léon, nascido em Rivera, deu a volta olímpica do título com uma das cinco camisas que possuía do Imortal.
Ele ainda não tinha completado 23 anos quando chegou afirmando: "O Grêmio é melhor que o Inter. Vamos ser campeões"(frase abaixo da foto acima). Pois bem, durante o campeonato brasileiro o Tricolor balançou e tropeçou, inclusive levou um 3 a 0 do São Paulo em pleno Morumbi, três gols do Serginho Chulapa, alguns colegas meus de faculdade zoaram, dizendo "por quê esse cara vem aqui prometendo o título. E agora?" Eu, quente da cara, não me entregava e dizia que o campeonato ainda não acabara. Depois daquela goleada, Ênio Andrade promoveu modificações na equipe, fazendo entrar vários juvenis e à partir do jogo seguinte começou a ganhar o Brasileirão de 1981.
Contando a partida do returno e os dois jogos da final, foram 3 vitórias sobre o Tricolor do Morumbi, uma para cada gol sofrido naquela sinistra tarde paulistana. De Léon não somente ganhou o Brasileiro daquele ano, como mais tarde a Libertadores e o Mundial de 1983.
Hoje, está para sempre na memória da torcida e na história do nosso clube. Chegou num janeiro como este, foi saudado tal qual foi Vargas. Quem sabe as coincidências não param por aí? Se o chileno não tem fama de caudilho, pelo menos tem o nome de um deles. Chegou Nova Era.