Semana que vem inicia o campeonato gaúcho de 2024 e me vem à mente, o mais relevante em minha memória afetiva: o de 1977, que quebrou o ciclo vitorioso do Coirmão. Não foi mero acidente, mas um conjunto de acertos como raras vezes vi. Sem dinheiro, o Tricolor (aí, todos os níveis da instituição) ganhou de forma incontestável, aplicando goleadas, "chocolates", sempre aliando técnica, tática e têmpera de campeão. Uma alquimia para estudo e modelo a ser seguido.
Começou com a vinda de Telê Santana na metade do segundo semestre de 76, que logo percebeu que aquele "cano de time" precisava ser revisto a partir do que o grande arqueiro Agustín Mário Cejas detectou. Em sua saída do clube no final daquele ano, sentenciou: "Uma partida ganham os jogadores, um campeonato ganham os homens". O argentino que atuou ao lado de Pelé, mais uma vez, tinha razão.
Aí começou a reformulação do elenco. Numa época onde inexistia internet, olheiros contratados por todo o país e Centros de Excelência de Dados, o mago Telê Santana liderou a montagem daquele grupo vencedor. Primeiro, ele olhou para dentro do clube e manteve Eurico, Ancheta, Iúra e Tarciso. Aproveitou Vitor Hugo, um volante que veio no segundo semestre do ano anterior, que tinha o canudo de Jornalista. Depois, repassou sugestões certeiras para a Direção viabilizar o time.
Vieram Walter Corbo, goleiro uruguaio que estava entre os 22 selecionados para a Copa do Mundo de 70. Trouxe Oberdan, um zagueiro viril e irresignado, cuja liderança ombreava com Carlos Alberto Torres, Gilmar, Zito e Pelé nos anos 60 no clube da Vila Belmiro. No Coritiba, então, nem se fala. Ele era o cara. Tinha tanta autoridade que indicou o discreto e eficiente lateral Ladinho (do rival Atlético Paranaense) para o técnico gremista, dica aceita na hora. Isso, com poucos dias de Grêmio.
Estava fechada a zaga titular. Telê passou a montagem do meio e do ataque. Pegou Iúra, um menino criado na base, que todo começo de temporada, lustrava o banco de reservas todo final, ele virava titular. Era múltiplo, começou nos profissionais como ponta direita e rodou por todas as posições do meio de campo para frente. Telê o fixou como meia esquerda. Outro ponto positivo para o treinador.
Tarciso, há anos, um centro avante incompleto e irregular, Telê o puxou para a ponta direita, posição que o mineiro relutou, pois faria concorrência com seu amigo, também mineiro o consagrado Zequinha. Assim, o Flecha Negra chegou à Seleção.
Faltavam três posições cruciais: alguém para o lugar de Neca, revelado por Ênio Andrade e jogador de Seleção Brasileira, outro para a ponta esquerda, verdadeira parada torta, pois a 11 era de Ortiz, simplesmente o ponta da Seleção Argentina (e futuro campeão mundial em 78) e a mais emblemática de todas: o centro avante.
Não poderia haver vacilo: novamente, a sabedoria do comandante, primeiro campeão brasileiro na era moderna (1971 com o Atlético) emergiu. Ele recrutou uma lenda gremista, Alcindo, não satisfeito, mandou vir do Guarani, o centro avante André. Um camisa 9 espetacular e com muito custo, na verdade, um investimento altíssimo, Telê indicou o menino Éder, 19 anos, genioso e genial para finalizar a escalação do time, o novo camisa 11.
Faltou alguém? Sim, o mais completo jogador, o craque do time, o representante do comandante técnico dentro das quatro linhas, o líder silencioso do elenco, o gestor do grupo e acima de tudo, um ídolo para a torcida e uma referência ética na lida com a imprensa gaúcha: Tadeu. No Tricolor, ele viu o sobrenome acrescentado (Ricci), porque já existia outro Tadeu, o beque (Tadeu Vieira).
Tadeu (foto acima), o jogador que mais me passou o significado do conceito "Cerebral". Advogado de formação, ele a exemplo de Oberdan, indicou o seu ex-colega de time (América RJ), o também advogado, lateral Paulo César Martins para moldar o perfil forte do elenco.
Além desses, Telê apostou em Vilson Cereja para as laterais e zaga, trouxe a raça gaúcha na figura do zagueiro Cassiá, deu chances aos jovens da base como (Jorge) Leandro, o ponta Gino e Renato Lima (Tia Joana). Manteve outro juvenil, Luiz Carlos, um meia canhoto clássico e Zequinha, que junto com Alcindo, ambos deram alternativas ótimas para o ataque com experiência e biografia de Seleção Brasileira.
Verdade que o Mestre arriscou, apostando em dois goleiros da base como alternativa nas ausências de Corbo: Alexandre e Remi.
Esse grupo talentoso, não era apenas de craques no trato com a bola, mas de elevada compreensão tática e senso coletivo. Ele encontrou em Telê, o grande profissional que soube ouvir e ser ouvido, isso resultando num elenco participativo, entrosado e comprometido.
Havia um líder na casamata, mas dentro dos gramados, existiam muitas cabeças pensantes que criaram aquele que foi o time dos sonhos de minha geração adolescente nos anos 70.
Fonte: Arquivo pessoal do amigo Alvirubro