Dando prosseguimento, seguem mais três Pequenas Histórias:
23 - Grêmio 2 x 1 Benfica - Inaugurando o Beira-Rio - Ano 1969
Estes últimos meses em função da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, os estádios de futebol ganharam mais evidência do que normalmente a mídia esportiva e os torcedores dispensam a eles. Aqui no Sul o fato ganhou relevância maior, porque além da reforma do estádio para o evento de aqui há dois anos, também o nosso Tricolor vai construir o seu que será o mais moderno, funcional e confortável estádio da América Latina. Diante destes acontecimentos, resolvi "visitar" os momentos de inauguração do Olímpico em 1954 e Beira-Rio em 1969. Começarei pela do Coirmão, mais precisamente, a participação do Imortal. Como se sabe, o José Pinheiro Borda foi inaugurado com um festival de partidas com grandes clubes como o anfitrião, Internacional, mais Grêmio, Benfica de Portugal, Seleção da Hungria, além das Seleções do Brasil e Peru. Excetuando estas duas últimas agremiações, os demais se enfrentariam num torneio "virtual" que se encerraria com um Grenal, marcado para o dia 20; jogo este que terminou em grossa pancadaria. Pois bem, dia 06 de Abril, o Colorado bateu o Benfica por 2 a 1; dia seguinte, Brasil 2 a 1 no Peru e na terça, 08, nosso clube entrou pela primeira vez no gramado da Padre Cacique, justamente para pegar o time luso, base da Seleção que ficou num inédito terceiro lugar na Copa jogada na Inglaterra, três anos antes. Entre as diversas feras do Benfica, uma estrela cintilava bem acima das demais; Eusébio, centro-avante, goleador da Copa com 9 gols. Comprovando a fama, ele deixara a sua marca fazendo gol contra o Inter. O Tricolor entrou em campo com a seguinte formação: Alberto; Espinosa, Ari Hercílio, Áureo e Renato ( ele não aparece na foto); Jadir e Sérgio Lopes; Hélio Pires, Joãozinho, Alcindo e Volmir. Ainda atuariam Tupanzinho e Loivo. O técnico era Sérgio Moacir Torres Nunes. O Benfica com José Henrique; Adolfo, Humberto II, Zeca e Cruz; José Augusto e Toni; Nenê, Torres, Eusébio e Simões. O goleiro Nascimento entraria durante a partida. O primeiro tempo foi quase todo de predomínio dos portugueses que abusaram da violência, especialmente o lateral Adolfo e o centro-médio José Augusto. Para piorar, Eusébio, "A Pantera", como era conhecido, deixou a sua marca e a etapa inicial encerrou 1 a 0 com uma única oportunidade para o Tricolor, aos 40 minutos, quando Tupanzinho que entrara no lugar do lesionado João Severiano, o Joãozinho, arrematou perigosamente. A chacoalhada no vestiário deve ter sido bem grande, porque, logo a 1 minuto e meio, o centro-avante Hélio Pires (na foto é o primeiro agachado) que jogava como ponta, pois havia Alcindo, fez o gol de empate, consequentemente, tornando-se o primeiro gremista a marcar no novo estádio vermelho. O "Touro" como era conhecido, chegara do Floriano (atual Novo Hamburgo) e acabou fazendo história no Coritiba, além de uma passagem no Santos, quando atuou ao lado de Pelé. Na etapa final, só um time jogou e José Henrique, o arqueiro português, virou o melhor jogador em campo. O empate se estendeu até o período concedido como acréscimos, 4 minutos, e apesar da insistência tricolor, o gol não vinha. No último minuto, Espinosa invade a área e é derrubado pelo lateral Cruz; pênalti e expulsão. A cobrança coube a Alcindo (único gaúcho na Copa de 1966), o goleiro Nascimento substituíra o brilhante José Henrique minutos antes, não conseguiu impedir o chute do "Bugre" e o Tricolor, desta forma, encaminhou a sua primeira vitória no Beira-Rio. Na partida de fundo, a forte Hungria deu um "passeio" no Coirmão, derrotando por 2 a 0. Apenas para constar; nesse torneio virtual, o Grêmio bateu a Seleção Húngara por 1 a 0, gol de Hélio Pires, este Benfica e, como sabemos, o Grenal quando foi interrompido aos 81 minutos, estava empatado sem abertura de placar, portanto, encerrando invicto. Começava assim, a relação do Imortal com a nova casa do Coirmão.
24 - Grêmio 2 x 0 Nacional (Uruguai) - Inaugurando o Olímpico - Ano 1954
Dando prosseguimento a intenção de contar como foram os jogos inaugurais do Imortal no Beira-Rio (Pequenas Histórias 23) e Olímpico, hoje iremos aterrissar no distante ano de 1954, mais exatamente, em 19 de Setembro, Azenha, quando o Olímpico passou a ser a nossa casa. O país ainda estava abalado pelo suicídio de Vargas, há menos de 30 dias (24/08), tentava se reordenar, enfim, voltar a sua normalidade. Naquela semana, o mundo esportivo vira mais uma vitória por nocaute do lendário Rocky Marciano no Yankee Stadium em Nova Iorque, agora sobre Ezzard Charles, nocaute este, que ocorreu no 8º round. Pois foi nesse contexto que o Tricolor enfrentou o poderoso Nacional de Montevidéu, clube que juntamente com o Peñarol, formou a base do time bi-campeão mundial em 1950 na Copa realizada no Brasil. Havia entre os seus astros o espetacular goleiro Veludo que revezou com Castilhos o gol do Fluminense e também da Seleção Brasileira na Copa daquele ano na Suíça. Outro ingrediente: O Nacional aplicara uma surra no ano anterior, ainda na Baixada, metendo 4 a 1 no Tricolor, portanto, parada duríssima. No dia seguinte, feriado estadual, o líder do campeonato uruguaio, Liverpool, enfrentaria a segunda versão do fantástico Rolo Compressor Colorado. Naquela tarde, o Olímpico recebeu 35.511 torcedores e a fita de inauguração coube ao presidente Saturnino Vanzelotti e ao governador do Estado, Ernesto Dornelles. O Tricolor entrou em campo com Sérgio Moacir, Ênio Rodrigues e Orli; Roberto Sarará e Itamar, Tesourinha, Zunino, Camacho, Milton e Torres. Ingressaram mais tarde, Jorginho e Victor.O técnico era húngaro, Lazslo Szekelly. O time uruguaio com Veludo; Blanco e Leopardi; Gonzalez, Carballo e Cruz; Orellano, Quiroga, Omar Mendez, Júlio Perez e Escalada. Contou ainda com Santamaria e Romerito. O juiz foi Arthur Villariño, o Espanhol, como era conhecido. A partida nada teve de amistoso, os jornais relatam que o "pau comeu solto", citando como os mais acirrados Camacho pelo Grêmio e Júlio Perez pelo time uruguaio; além deles, Gonzalez. Outros se destacaram pelo bom futebol como os goleiros de ambos os times, mais Sarará, Tesourinha, Roberto, Santamaria e Victor, goleador que se tornou o personagem central deste enredo que teve final feliz naquela tarde. Os gols somente aconteceram no segundo tempo; por volta dos 20 minutos, Tesourinha fez grande jogada, chegando à linha de fundo e como bom ponteiro que era, deixou o centro-avante Victor pronto para empurrar para as redes. Este mesmo Victor, em nova jogada de Tesourinha, marcaria o segundo tento. Vanzelotti, o presidente que acabou de vez com a mancha do preconceito racial no clube, deve ter se sentindo mais realizado ainda, pois, tanto Tesourinha, quanto Victor eram negros e entraram definitivamente para a história do Grêmio. A foto que ilustra a crônica, busquei na internet e nela está o grupo do Imortal naquele ano. Tesourinha e Victor são respectivamente, os últimos agachados. O técnico húngaro é o mais alto, em pé. Daqui há um ano, quando alguém estiver lendo esta postagem, o Olímpico será tão somente uma lembrança; uma lembrança Imortal.
25 - Tadeu - Como se fosse uma espécie de Santo - Ano 1977/78
"Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar, eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar..." Assim começava "Minha História", fantástica música de Chico Buarque, que era uma tradução da italianíssima "Gesumbambino". Pois, cada vez que ouço esta canção, lembro sempre do Tadeu. Tadeu Ricci. Lá pelas tantas, a letra falava em ... embrulhou-me num manto, como se eu fosse uma espécie de santo...
Tadeu era e segue sendo extremamente religioso lá na sua Ribeirão Preto com sua esposa gaúcha. Tudo a ver. Ele foi o "cara". O "cara" que fez o diabólico baiano André Catimba comungar pela primeira vez, isso na capela do Olímpico, no distante e iluminado ano de 1977.
Minha admiração por ele começou em 1972, quando eu e meus amigos, começamos a jogar botão nos finais de semana. Como todos éramos gremistas ou colorados, combinamos que não haveria Grêmio e Inter em nossos torneios. Cada um escolheu o seu; o João Henrique com seu Flamengo, o saudoso Marcelo, o Botafogo, o Marcos (Rolim) com seu Coritiba e tantos outros. Eu fiquei com o América do Rio, então ainda um time forte; adivinhem qual era o meu "botão craque"? Ele mesmo, Tadeu; que fazia dupla de ataque com Edu, irmão do Zico. Aliás, diz a lenda que o Galinho de Quintino aprendeu a bater faltas com o paulista Tadeu.
Em 1977, Telê foi buscá-lo no Flamengo para ser o maestro daquele time que é o mais afetivo para quem viveu os anos 70. Corbo, Eurico,Anchetta,... aquela escalação, na verdade, virou uma oração, uma cantilena na sua melhor definição: poesia breve e simples, mas agradável. Tadeu era o gênio, o condutor de um grupo altamente consciente e aguerrido: os politizados Corbo e Cassiá, o guerreiro Oberdan, o jornalista e centro-médio Vitor Hugo, o advogado Paulo César Martins, lateral reserva, que veio por indicação de Tadeu, os endiabrados André e Éder, os gremistas Tarciso e Iúra, os incansáveis e técnicos Eurico e Ladinho, mais Anchetta, simplesmente, o capitão. Pois, Tadeu, também advogado, estava acima deles, na bola, na inteligência e na personalidade.
Sua estréia em Grenal foi marcante, porque o Imortal aplicou 3 a 0 no então bi-campeão brasileiro.
O jogo ocorreu no Olímpico no dia 17 de Abril daquele ano e Tadeu recebeu nota 10 da Zero Hora e demais veículos de comunicação. Pudera! O homem fez dois gols, sendo um de falta, deixando o lendário goleiro Manga estatelado no canto esquerdo de seu arco.
Aos 19 minutos, Cláudio Duarte derrubou Éder na meia esquerda de ataque. Tadeu bateu rasteiro pelo lado de fora da barreira. Golaço.
Aos 42 minutos, Dario acertou Éder que revidou; o juiz viu apenas a segunda agressão e deixou o Grêmio com 10 jogadores.
Aos 15 minutos da etapa final, Tadeu arrancou, driblando 3 adversários, chegou à linha de fundo e cruzou para Alcindo, o veterano centro-avante que voltava do México para encerrar a carreira no clube de seu coração.
O Bugre, maior artilheiro do Grêmio em todos os tempos, testou de cima para baixo, matando o goalkeeper colorado. 2 a 0.
Aos 41 minutos, Zequinha (aquele mesmo dos 3 gols em um único Grenal), repetiu Tadeu, que repetiu Alcindo: Cabeceou de cima para baixo, decretando a goleada.
O Imortal ainda sem a inesquecível formação, entrou em campo com Remi; Eurico, Anchetta, Oberdan e Ladinho; Vitor Hugo, Tadeu, Iúra (Jerônimo); Tarciso, Alcindo (Zequinha) e Éder.
O Coirmão com Manga; Cláudio, Marião, Hermínio e Chico Fraga; Caçapava (Joãozinho Paulista), Falcão e Batista; Pedrinho (Jair), Dario e Escurinho.
É o famoso clássico em que Oberdan, segundo melhor em campo com nota 9, decretou o fim dos golzinhos de cabeça do Escurinho. Embora jogasse com a camiseta 8, Tadeu era o verdadeiro 10 do Grêmio.
Naquele ano, ele iria fazer mais gols memoráveis em Grenal, como um de falta em que o juiz, erradamente, assinalara fora da área para desespero de Iúra que sofrera o penalti, no jogo que antecedeu a final do gol de André, ou ainda no clássico dos 4 a 0 daquele mesmo ano.
De todos os jogadores que vi pessoalmente, Tadeu só foi menor do que Renato. Por isso, acho um esquecimento imperdoável que seu nome (e pés) ainda não esteja (m) entre os eleitos na Calçada da Fama. Tadeu:"... ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar..."